Delação premiada de Delcídio joga gasolina na fogueira do impeachment

O ex-líder do governo no Senado dá informações graves que, confirmadas, podem comprometem a Dilma e Lula. O que parece ter sido do gosto dos agentes econômicos apesar dos sinais negativos trazidos pelo PIB

José Marcio Mendonça

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* Este texto já estava escrito quando ocorreu a operação da Policia Federal que desencadeou a nova operação da Lava-Jato.

A revelação, pela revista “Istoé”, do teor da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (não confirmada nem desmentida oficialmente), que causou ao mesmo tempo um terremoto e um tsunami em Brasília, somada à informação do desempenho da economia brasileira em 2015, com o PIB tendo caído 3,8%, serviram para mostrar até onde vai hoje o nível de desconfiança dos agentes econômicos e do mundo político que não vive no entorno da presidente em relação ao governo e da capacidade de Dilma de contornar a grave crise econômica que o Brasil enfrenta.

O resultado do PIB, embora o pior desde 1990, da dupla Fernando Collor de Mello-Zélia Cardoso de Mello, já era o esperado e não surpreendeu a unanimidade dos analistas. Porém traz dados preocupantes, que indicam que a retomada do crescimento deverá ser lenta e demorada – os investimentos caíram 14%, a renda per capita diminuiu quase 5% e o consumo das famílias recuou mais de 4%.

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Normalmente, esses dados ampliaram o pessimismo dos agentes econômicos, com reflexos imediatos no sempre nervoso mercado financeiro, consubstanciados em queda da Bolsa e elevação do dólar. Contudo, não foi o que aconteceu ontem. A moeda norte-americana caiu mais de 2% (fechou em R$3,80, seu menor valor desde dezembro) e o Ibovespa cresceu mais de 5% – sem nenhum estímulo de boas notícias vindas do Exterior.

Tudo puxado pelas notícias da delação de Delcídio do Amaral, que complicam a vida do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff e, se confirmadas, mesmo que não totalmente em seus escabrosos detalhes, tornam a presidente mais frágil e mais vulnerável em relação ao impeachment. A leitura é clara: os agentes econômicos não querem mais o governo que está aí, pelo menos não nessa conformação e com suas vacilações econômicas e suas companhias.

A delação de Delcídio destravou uma bomba atômica política, e deixou o governo e seus aliados atarantados durante todo o dia. A linha de defesa adotada por todos os citados foi menos de negar totalmente os fatos narrados pelo senador e mais tentar desmoralizar o mensageiro. Delcídio, que até ser preso era líder do governo no Senado e gozava da intimidade política da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, foi pintado como alguém sem “credibilidade”, alguém que está agindo por “vingança”.

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Dilma, em nota, também repudiou o “vazamento” das informações, segundo ela com fins políticos. É grave que tenha ocorrido, porém é secundário, paralelo – o que importa é o conteúdo; é real ou fantasioso? Tem fundamentos ou não tem?

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Lula e Dilma tentando obstruir a Lava-Jato
Só para se ter uma idéia do tamanho da bomba armada, as revelações de Delcídio vão desde que a presidente Dilma Rousseff sabia de todos os negócios sobre a compra da refinaria em Pasadena, no Estados Unidos, pela Petrobrás, que ela foi diretamente responsável pela nomeação de Nestor Cerveró para a BR Distribuidora, até que Lula e Dilma agiram para tentar ofuscar a Operação Lava-Jato e para tirar da cadeia alguns dos empresários mandados trancafiar pelo juiz Sérgio Moro. 

Não se sabe até que ponto o ex-líder do governo no Senado apresentou provas e deu indícios seguros das denúncias que faz – portanto estamos ainda no terreno das suspeitas. A delação, digamos assim, ainda não é “oficial”, porque não foi ainda homologada pelo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki. Pode ser que ele a considere inconsistente e simplesmente mande-a para o arquivo.

Um detalhe significativo todavia a considerar, que mostra que a delação pode estar sendo levada a sério: informa o “Valor Econômico” que há semanas já a força tarefa da Lava-Jato investiga as denúncias contra Lula de tentar travar as investigações contidas na revelações de Delcídio.

Se as informações forem falsas, o senador estará imediatamente de volta para a cadeia, pois ele foi liberado condicionalmente por ter feito o acordo de delação premiada. Será, perguntava-se ontem em certos círculos em Brasília, que Delcídio delirou e prometeu entregar o que não tem, correndo o risco de mofar anos atrás das grades? Pelo temor que a divulgação da delação causou em Brasília, pela cautela dos citados em desmentir totalmente alguns fatos relatados, percebe-se que debaixo dessa fumaça tem alguma fagulha de incêndio, pelo menos.

É fato político da maior gravidade e caberá ao STF levá-lo a uma solução que não deixe dúvidas na sociedade – negando o que for inverdade, investigando o que tiver alguma sustentação. E isto deverá demorar algum tempo. O que tornará mais aguda a crise decisória que engolfa o governo federal e o Congresso Nacional. A questão para muitos agora pode ser de sobrevivência política.

Com as notícias de ontem, a presidente Dilma Rousseff não pôde nem saborear direito as agruras pelas quais está passando seu principal adversário político (o principal visível) Eduardo Cunha, que desde ontem é oficialmente réu num caso da Operação Lava-Jato. O enfraquecimento de Cunha significava o enfraquecimento do movimento pelo impeachment na Câmara; o depoimento de Delcídio reforça.

Delcídio também parece ter selado seu destino no Senado. Havia um movimento -subterrâneo mas nem tanto – para evitar a cassação de seu mandato. Agora, com a delação premiada, vista também como uma confissão de culpa, isto tornou-se impossível.

A oposição, na frente o PSDB, já avisou que semana que vem reforça o pedido de impeachment com esses novos fatos, porém está sendo aconselhada a ter um pouco de cautela pois a delação ainda não está homologada e não se sabe o que pode ainda sair do veio revelado pelo ex-líder do governo no Senado. A reportagem da revista “Istoé” exibiu apenas alguns pontos de um documento com mais de 100 páginas.

O PMDB, por seu turno – que é meio oposição meio governo e não é nem uma coisa nem outro, mas tem a expectativa de se tornar o maior beneficiário da história e pode definir o jogo pró ou contra Dilma – recolheu-se ao profundo silêncio do oportunismo.

Para tornar mais cinzento ainda o dia de ontem do governo, a Justiça resolveu transformar em prisão preventiva, ou seja, por tempo indeterminado, a detenção do marqueteiro João Santana e da mulher dele, Mônica Moura. Uma indicação de que os investigadores não ficaram satisfeitos com as informações e explicações dos dois e querem mais informações sobre gastos das campanhas presidenciais.

Outro detalhe constrangedor ontem: fotos do ex-presidente Lula visitando o apartamento triplex do Guarujá exibidas na televisão.

Os estragos políticos, confirme-se tudo ou não, já estão feitos para a presidente. Esta quinta-feira foi o mais cruel dos dias para Dilma desde que ela assumiu a Presidência da República.

Outros destaques dos

jornais do dia 

– “Fazenda diz que economia pode voltar a crescer no 4º trimestre” (Estado/Valor) 

– “Esqueleto trabalhista ameaça Petrobras” (Folha)

– “Vendas caem e levam mais varejistas à concordata” (Valor)

– “Fazenda enfrenta resistências de estados em negociação de dívidas” (Valor)

LEITURAS SUGERIDAS

Miriam Leitão – “A economia está de olho na política” (diz que para o mercado não há saída com Dilma no poder) – Globo

José Paulo Kupfer – “Receita de contração” (diz que soma de ingredientes negativos faz PIB recuar forte em 2015 e transferir para 2016 herança negativa) – Globo

Celso Ming – “Marcha à ré” (diz que governo continua dizendo que o tombo do PIB é conseqüência da crise externa, mas esse é obra nossa) – Estado

Editorial – ‘O homem que sabe demais” (diz que as revelações de Delcídio tornam insustentável a permanência da Dilma no cargo) – Estado

Editorial – “Isolada e à deriva” (diz que delação de Delcídio ainda precisa ser corroborada, mas que, dada sua estreita conexão com o governo, já provoca efeitos devastadores) – Folha

José Marcio Camargo – “Revolução e contrarrevolução” (diz que as crises política e econômica criaram um vácuo de poder extremamente perigoso que tem inviabilizado a adoção de medidas para superar os problemas da economia) – Estado

Vinicius Torres Freire – “Dilma, cinco anos destruídos” (comenta que PIB per capita regrediu a 2010 e diz que neste ano o país continuará a viagem em busca do passado) – Folha