Fies: “a Pátria Educadora ainda tem muito o que aprender”, diz Credit, que revisa o setor

Os analistas lembram o discurso de posse do segundo mandato de Dilma, que lançou um novo lema para o governo, de Pátria Educadora, sendo feito alguns dias depois do anúncio das mudanças regulatórios do Fies

Lara Rizério

Preços da educação, em especial dos cursos formais, foram destaque do indicador nesse início de ano

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SÃO PAULO – Mesmo após mais de três meses do anúncio das mudanças no Fies (Financiamento Estudantil), a polêmica sobre o que deve acontecer com o setor está longe de acabar. E, desta forma, o Credit Suisse elaborou um relatório chamado “A Pátria Educadora ainda tem tem muito mais a aprender”, ressaltando as principais alterações do setor de educação e como as empresas do setor devem ser impactadas.

De acordo com os analistas Victor Schabbel e Lucas Lopes, as mudanças regulatórias inesperadas, sem precedentes e pouco claras que foram anunciadas e discutidas nos últimos meses não só jogaram contra os fundamentos das principais empresas do setor, como também contra a confiança que o mercado tinha nas empresas voltadas ao segmento de educação.

“A situação fiscal mais apertada que o Brasil enfrenta, afirmam, não deve oferecer ao governo o tempo necessário para um conjunto de medidas mais amplo e estruturado. Neste cenário, eles avaliam não esperar um Fies renovado sendo lançado tão cedo e veem apenas medidas de curto prazo – como as medidas atuais – sendo anunciadas, caso do número máximo de contratos para o programa”.

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Os analistas lembram o discurso de posse do segundo mandato de Dilma Rousseff, que lançou um novo lema para o governo, de Pátria Educadora, sendo feito alguns dias depois do anúncio das mudanças regulatórios do Fies. E avaliam: o Fies, apesar de suas imperfeições, é um bom começo. E, numa equação difícil de ajuste fiscal e manter os programas, o Fies tem de ser visto como parte da solução e não do problema.

“Dessa forma, estamos assumindo uma expansão mais conservadora da base de estudantes, tendências de margens mais fracas devido ao declínio de alunos do Fies e, consequentemente, um crescimento mais lento dos lucros”, afirmam os analistas. E, à luz do recente desempenho das ações, a recomendação é underperform (desempenho abaixo da média do mercado) para Estacio (ESTC3); Ser (SEER3) classificada em outperform (desempenho acima da média do mercado). Já Kroton (KROT3) e Anima (ANIM3) são ações restritas pela equipe de análise.

Em meio ao cenário macroeconômico desafiador e à recente redução do programa Fies, as implicações para a expansão de estudantes do ensino superior devem ser significativas, o que levaram os analistas a cortarem de 4% para 1% a perspectiva para o CAGR (ou Taxa de Crescimento Anual Composto). Além de um peso sobre o crescimento, um Fies menor deve reduzir a capacidade das companhias de passarem os aumentos dos preços, pode levar ao aumento da taxa de inadimplência e as taxas de abandono e, no final, exigirá uma postura mais cautelosa em relação à expansão da capacidade (a não ser por meio de oportunidades muito atraentes de fusão e aquisição).

“Gostaríamos de saudar uma abordagem cada vez mais conservadora para serem tomadas pelas equipes de gestão, com o foco mudando de crescimento para a qualidade e eficiência. Se as condições são rudes, é melhor ser polido economizando dinheiro e não gastar muito pode ser a chave”, ressaltam Schabbel e Lopes.

E, com base em novas e mais conservadoras hipóteses, os analistas destacam que o setor está aprendendo agora da maneira mais difícil a lidar com incertezas que podem derrubar a confiança e, consequentemente, reduzir o valor.

O Fies
Não há dúvida sobre a importância dos desembolsos de caixa que o governo fez para honrar o Fies. “Isto é especialmente verdadeiro para 2015 e 2016, quando se espera que as limitações fiscais desempenhem um papel maior. A rápida expansão do programa nos últimos anos, no entanto, fizeram os esforços para combater o fardo um pouco mais complicado. O número de contratos em aberto já é enorme. No final de 2014, o governo decidiu adiar o pagamento relativo a todos os contratos existentes e novos do Fies a partir de 2015 em diante. Isso criou incertezas, impactado significativamente a capacidade das empresas para a geração de caixa, o que foi revisto mais tarde.

A regra agora só aplica-se para este ano. Contudo, destacam, o quadro regulamentar, foi, infelizmente, atingido por mudanças de última hora. Mais recentemente, o mercado começou a discutir o número de novos contratos de Fies e também os ajustes de preços máximos. A falta de informação clara e eficaz do que poderia vir a seguir criado um cenário de aumento das incertezas, algo que o mercado não gosta, avaliam os analistas. O aumento da inadimplência também é uma das preocupações.

O programa, ressalta a dupla de analistas, é valioso e pede melhorias. “É quase impossível acreditar que um país com enormes desigualdades sociais, com uma educação pobre e altas taxas de juros poderia estar vivendo sem um programa de financiamento estudantil sério”. Ao longo dos anos (desde os anos 70 para ser mais preciso), o Brasil tem desenvolvido alternativas, o que se tornou mais popular com o programa Fies que foi renovado em 2009. As condições de financiamento atraentes, enorme demanda e metas agressivas, conforme estabelecidos pelo Plano Nacional de Educação criou o perfeito ambiente para o programa, que se expandiu rapidamente. Enquanto alguns poderiam argumentar que as empresas ficaram muito alavancadas sobre ele, com aumento dos preços e adicionando estudantes com quase nenhum critério, a sua importância para a população é difícil de ser questionada.

E os analistas sugerem que, ao invés de tentar reduzir os compromissos de caixa de curto prazo, outras medidas poderiam ter sido implementadas para resolver algumas distorções existentes. “Em nosso ponto de vista, (1) as condições de financiamento menos atraentes, (2) os requisitos mais elevados de qualidade e (3) os controles de crédito mais restritos poderiam só reduzir a demanda e oferta de contratos do Fies. Isso, para não mencionar o possibilidade de delegar a responsabilidade para o setor privado. À semelhança do que tem já foi feito com hipotecas e microfinanças, o governo pode criar incentivos para que os bancos desempenhem o negócio empréstimos estudantis”, afirmam.

Desde que foi reestruturado, seguindo o formato que tem hoje, o Fies tem ajudado os alunos a ter acesso à educação superior privado que no passado eles não tinham condições de pagar. Os empréstimos estudantis disponibilizados pelo governo tirou uma das barreiras para o desenvolvimento do setor. Ao oferecer condições extremamente atraentes (3,4% de taxa de juros anual; 5,5 anos de carência por período; amortização em 12,5 anos), o programa também reduziu a sensibilidade dos alunos para os preços.

Não importava o quanto os preços estavam subindo, os alunos ainda estariam propensos a aceitá-los, enquanto as empresas de educação se alavancavam nele, aproveitando não só para registar um crescimento de alunos, mas também para aumentar as margens. Agora, com quase 30% de todos os novos estudantes indo para a faculdade com a ajuda de um empréstimo do Fies, todo o programa será revisitado pelo governo. Ele deve ser repensado a fim de reduzir a carga sobre o orçamento do governo e também rever a capacidade da empresa para repassar os aumentos de preços.

O Fies está cada vez maior, ressaltam os analistas, mas não é o maior como parte do orçamento do Ministério da Educação. E ressaltam que governo gasta atualmente muito mais com a educação pública e o espaço para gastos adicionais são atualmente mais limitado. “É importante notar que os custos com a conta Fies atualmente gira em torno de 36%, mesmo se consideramos que os estudantes não vão pagar sua dívida como alunos. Apesar do rápido crescimento, o FIES ainda parece uma maneira muito mais eficiente para o governo para investir em educação do que tentar fazê-lo por conta própria”.

E o que fazer para mudar?
Ao longo dos últimos meses, muitos têm sido os debates sobre as potenciais mudanças no programa Fies que iriam torná-lo melhor e, consequentemente, mais sustentável. E, diferente do que as pessoas possam pensar, o Fies não foi criado em 2009, mas só foi renovado sob novas condições. As possíveis mudanças seguem o mesmo racional, com ajustes sendo feitos para o programa, a fim de torná-lo mais adequado à realidade atual.

“Infelizmente, dados os desenvolvimentos mais recentes, não vemos que o programa está sendo totalmente revisitado, apenas alterado. Isso poderia funcionar, por enquanto, fazendo os desembolsos de caixa caberem nos bolsos do governo. Para o setor, no entanto, uma grande oportunidade para um melhor enquadramento a ser definido e recuperação de confiança estariam perdidos”, avaliam, destacando quais as mudanças que poderiam ser feitas.

Para os estudantes, um dos pontos seria exigir um requisito de uma melhor qualidade dos alunos para que eles sejam elegíveis para o Fies. Poderia, segundo um exemplo dos analistas, estabelecer limites para o financiamento total e parcial das mensalidades. Assim, os alunos que tivessem entre 450 e 550 pontos no exame nacional (ENEM) seriam elegíveis para o financiamento de 50% da taxa de matrícula, entre 550 e 650 pontos, 75% dos aula, e (acima de 750 pontos, 100%. Porém, dado o fraco desempenho no exame de uma forma geral, aumentar as exigências de qualidade faria os Fies mais acessível para aqueles que já têm mais oportunidades -isso faria outras mudanças menos provável.

Outro lado seria condições de empréstimo menos atraentes: atualmente, os alunos com Fies têm 5,5 anos de período de carência e de 12,5 anos para pagar suas dívidas, enquanto a taxa de juros também é baixa, fixada em 3,4%. Uma das possibilidades para o governo para reduzir a carga sobre suas contas seria a revisão das condições, reduzindo o período de carência e o cronograma de amortização, ao mesmo tempo que definiria a taxa de juros flutuante com base na referência do mercado (Selic) . “Em nossa opinião, isto não é apenas possível, mas também deve ser mais facilmente implementado sem gerar grandes mudanças.

De forma semelhante ao que é visto em outros países, caso da Austrália, a cobrança do empréstimo pode estar ligada à folha de pagamento do aluno, reduzindo as chances de não-pagamento. Além disso, um calendário de pagamento mais flexível pode ser implementado, refletindo as condições financeiras do aluno e também a situação geral do mercado de trabalho.

Do lado das instituições de educação, padrões mais elevados de qualidade para as escola podem ser implementados. Atualmente, as instituições devem chegar à pontuação maior ou igual a 3 (de 5) em avaliações realizadas pelo Ministério da Educação. O governo pode exigir pontuação maior ou igual a 4 em em relação ao CPC ou CC, que inclui a avaliação local. ” Isso, a nosso ver, é uma medida que poderia ser mais facilmente implementada pelo governo, uma vez que teria custos muito mais baixos do que implementar políticas de maiores padrões de qualidade para os alunos. O desafio, no entanto, reside no fato de que, sem grande melhorias nos níveis primário e secundário, alcançar um maior desempenho no nível superior deeducação não pode ser algo facilmente factível”, ressaltam.

Outro ponto é, dada a rápida expansão observada nos últimos anos, o governo decidir criar formalmente um limite em termos de (i) número de novos contratos do FIES por ano / consumo, (ii) ajuste de preço máximo que as empresas podem implementar e (iii) o montante total que pode ser cobrado pelas instituições em termos de mensalidades. “Enquanto preferíamos ver os limites a serem estabelecidos pelo mercado, com maior requisitos de qualidade e condições de empréstimos como catalisadores principais, notamos que essas mudanças poderiam resolver algumas questões para o governo”.

Contribuição variável e talvez mais alta para FGEDUC: atualmente, as empresas têm a contribuir com 5,63% de todas as receitas do Fies para o FGEDUC. No futuro, a contribuição que hoje é fixo pode ser variável, dependendo da inadimplência gerada por cada instituição (evitar a seleção adversa) e poderia ser também alta se as condições gerais que requerem.

Impacto nas empresas
Neste ambiente de mutação e incerteza, as empresas tendem a reagir e serem afetadas de formas diferentes. Após a venda maciça que o mercado viu após os primeiros sinais de mudanças, algumas das ações já se recuperou significativamente.

Os analistas ressaltam que a Estácio, que tem menor (embora enorme) participação no Fies, vem tendo um bom desempenho, com as ações caindo “somente 18%” A empresa deve divulgar números saudáveis no primeiro semestre, influenciado pelos “alunos não-Fies”.

Nota-se, no entanto, que o valuation, de 12 vezes a relação do preço sobre o lucro em 12 meses e os riscos de ter números mais fracos no segundo semestre de 2015 e em 2016, em meio ao cenário macro, maior taxa de abandono e de inadimplência mesmo com a menor exposição ao Fies fazem com que os analistas reduzam a recomendação do papel para underperform.

Já a Ser está claramente exposta ao Fies, com parte de seus principais mercados (Norte e Nordeste) dependendo dos empréstimos estudantis para atender à faculdade. “Dado o fosso social existente entre as regiões, as novas regras podem ser positivas para as regiões mais pobres e também para Ser. Enquanto o crescimento também pode ser afetado, o valuation, de 7 vezes a relação preço sobre lucro em 12 meses e uma queda de 55% nas ações, os analistas mantêm recomendação outperform. Eles também atualizaram previsões para Kroton e Anima, mas que ainda são restritas.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.