Ponto a ponto: o que o mercado espera para cada uma das 15 medidas econômicas do governo?

Agentes econômicos receberam o anúncio com um misto de ceticismo sobre os efeitos de tais medidas (e suas chances de aprovação) e esperança com algum possível avanço em uma agenda fundamentalmente macro e microeconômica

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Na noite da última segunda-feira, ministros e líderes governistas anunciaram um pacote com 15 medidas econômicas prioritárias em meio ao fracasso nas tentativas de se aprovar a reforma da Previdência (agora suspensa devido à intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro). No cardápio, um conjunto de pratos que já circulavam no salão verde da Câmara dos Deputados ou nos corredores do Senado Federal pelo menos desde o ano passado. A exceção ficou com apenas duas medidas, que também não soam como grandes novidades: a extinção do Fundo Soberano e a reforma do PIS/Cofins em uma simplificação tributária. A autonomia do Banco Central, por outro lado, voltou à pauta mais uma vez, resgatando projeto datado de quase três décadas atrás.

O mercado recebeu o anúncio com um misto de ceticismo sobre os efeitos de tais medidas (e suas chances de aprovação em um calendário tão apertado) e esperança com algum possível avanço em uma agenda fundamentalmente macro e microeconômica. “Do ponto de vista político, é a repetição de momentos que ocorreram anteriormente. Em outra situação em que enfrentou dificuldades com a reforma da Previdência, o governo caminhou em direção a outras medidas econômicas. Isso ocorreu com a reforma trabalhista e a TLP, por exemplo, que acabaram ganhando espaço”, avalia o analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria. Para ele, a estratégia do presidente Michel Temer agora consiste em trocar pontos da agenda fiscal para minimizar os efeitos da falta de condições em aprovar mudanças nas regras para aposentadorias, em movimento iniciado com uma intervenção federal no estado do Rio de Janeiro.

“Em geral, estão todas as propostas no campo da viabilidade, no lado da produção, por conta de quórum mais baixo. O desafio é elencar as prioridades”, observa Cortez. Para ele, até o momento não foram definidas prioridades. Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, há quatro medidas de impacto direto no mercado e mais difícil aprovação pelo Congresso: 1) autonomia do BC, 2) extinção do Fundo Soberano, 3) simplificação tributária, e 4) desestatização da Eletrobras. Por outro lado, ele vislumbra ganhos econômicos de longo prazo com outros pontos mais fáceis de serem endossados pelos parlamentares, a despeito de uma tendência a menor percepção no curto prazo pelo mercado. Além disso, o especialista acredita que as propostas aliviam a possibilidade de redução do rating brasileiro, sobretudo caso o governo mantenha sinalizando para a importância de se aprovar a reforma previdenciária em outubro.

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O mesmo otimismo não tem Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. Para ele, não há como classificar o pacote apresentado ontem como um “plano B” às mudanças nas regras para as aposentadorias. Além de se tratar de medidas requentadas, apenas três delas trazem efeitos fiscais. Mesmo assim, o peso não se aproxima do rombo previdenciário de R$ 150 bilhões. “As medidas são positivas quando se olha a boa vontade do governo ao mostrar não estar satisfeito com a não aprovação da reforma da Previdência. Contudo, nenhuma delas afeta o risco de downgrade. O problema não está sendo tratado em sua origem. Ainda seguimos com um problema de baixo crescimento, alto endividamento e despesas obrigatórias crescentes”, afirma.

“Esse tipo de postura [o anúncio do pacote de medidas] é para quem não acompanha o dia a dia da economia e da política. Nós sabemos que o discurso político está descasado da realidade. De boa vontade o governo tem demonstrado muito há muito tempo, mas isso não tem sido suficiente para atacar o principal. O preço pago é infelizmente ter o downgrade. Não dá para ter boa vontade, tem que ter ação”, critica o economista.

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A seguir, veja a lista das medidas propostas pelo governo e a opinião dos especialistas:

1. Reforma do PIS/Cofins – Simplificação Tributária

Juntamente com a matéria que deverá tratar da extinção do Fundo Soberano, este é um ponto que ainda está sendo deliberado pelo Poder Executivo e deverá ser posteriormente encaminhado ao Congresso Nacional por medida provisória ou lei ordinária. As apostas dos analistas são de que a proposição tem chances consideráveis de ser aprovada pelos parlamentares ainda neste ano, a depender dos esforços empenhados pelo governo federal. Por exigir apenas maioria simples, há espaço para otimismo. Contudo, há quem veja riscos: Mudança tributária é bastante importante, mas envolve uma questão do custo-benefício entre os agentes federativos e mexer para se obter simplificação tributária em governo que está acabando é complicado, pois muda a estrutura de setores”, ponderou Solange Srour, economista da ARX, em entrevista à Bloomberg.

2. Autonomia do Banco Central (PLP 32/2003)
Tramita na Câmara dos Deputados, há 15 anos, projeto de autoria de Rodrigo Maia (DEM-RJ), apensado ao PLP 200/1989, que está pronto para ser pautado em Plenário e encontra-se em regime de urgência de tramitação. É considerado pelos analistas um dos temas mais polêmicos da lista de propostas apresentadas pelo governo. Contudo, não é visto como prioritário, embora tenha grande apelo entre os investidores. Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, lembra que a medida é sempre alvo de discussão, mas nunca avança. De qualquer forma, ele não vislumbra impactos significativos. “Hoje, o efeito político dela é quase nulo, porque já se compreende entre os agentes econômicos o BC tem autonomia operacional, o que dá eficiência e eficácia à política monetária”, disse.

“É difícil de acreditar que as medidas anunciadas pelo governo vão passar e a questão da autonomia do Banco Central está entre as propostas com potencial complicador por exigir posição política de alguns membros do Congresso. Mas a independência do BC seria muito positiva, ainda mais no final deste governo”, observou Solange Srour, economista da ARX, em entrevista à Bloomberg.

O ceticismo quanto ao avanço da proposta de autonomia do Banco Central é praticamente uma unanimidade no mercado. “Não venham me falar que não vão aprovar a independência do BC antes da Copa do Mundo. Isso é piada de mau gosto”, observou um operador do mercado na condição de anonimato.

3. Marco Legal de licitações e contratos (PL 6814/2017)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto já aprovado pelo Senado Federal. O texto aguarda a criação de uma comissão especial para tratar do assunto. Depois, a medida ainda precisa ser deliberada em plenário. Por requerer maioria simples para ser aprovado, as chances de êxito são maiores. Como qualquer projeto, caso haja alteração no texto, precisará ser reavaliado pelos senadores.

4. Nova lei de finanças públicas (PLP 295/2016)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). O texto já foi aprovado no Senado Federal e aguarda a constituição de comissão especial. Depois, a medida ainda precisa deverá ser submetida a apreciação em plenário. Por se tratar de projeto de lei complementar, são necessários 257 votos no plenário da Câmara. Na avaliação dos analistas, há chances reais para a aprovação da proposição. É possível que a matéria seja aprovada ainda neste ano.

5. Regulamentação do teto remuneratório (PL 6726/2016)
Apesar do ambiente mais desfavorável ao lobby do funcionalismo público devido ao noticiário negativo sobre auxílio-moradia de juízes e procuradores além de outros penduricalhos, não se pode subestimar a capacidade de tais grupos organizados em fazer pressão sobre os parlamentares. Sendo assim, a proposta oriunda do Senado Federal não é considerada simples de ser aprovada pelos analistas. O texto, que tramita em regime de prioridade, aguarda parecer do relator em comissão especial, deputado Rubens Bueno (PPS-PR), e ainda precisa ser submetido a plenário.

6. Desestatização da Eletrobras (PL 9463/2018)
É um dos poucos pontos com impacto fiscal. Outro tema de elevado grau de dificuldade para aprovação, exigirá esforço de articulação por parte do governo. A recente judicialização da proposta já indicou que há resistências relevantes à privatização da companhia do setor elétrico. Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, esta é a medida de maior potencial impacto no mercado. O fim do controle estatal sobre a empresa seria bem recebido pelos agentes econômicos. As expectativas são de que, além dos efeitos sobre as ações da Eletrobras, a desestatização traga um reforço aproximado de R$ 15 bilhões ao caixa do governo.

Na Câmara dos Deputados, o projeto aguarda constituição de comissão especial. A priori, a proposição está sujeita à apreciação conclusiva pelo colegiado, sem necessidade de apreciação pelo plenário. Contudo, é possível que seja apresentado e votado requerimento solicitando tal votação pelo conjunto de deputados. Concluída a tramitação na Câmara, o projeto ainda precisa passar no Senado Federal.

7. Reforço das Agências Reguladoras (PL 6621/2016)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de autoria do senador Eunício Oliveira (MDB-CE). Atualmente o texto aguarda constituição de comissão especial e designação do relator. A proposição, já aprovada pelo Senado Federal, pode ter apreciação conclusiva no colegiado, desde que não seja apresentado e votado requerimento que a leve a plenário.

8. Depósitos voluntários do Banco Central (PL 9248/2017)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de autoria do próprio Poder Executivo. O texto aguarda constituição de comissão especial e pode ter tramitação concluída na casa sem necessidade de votação em plenário. Depois, ainda precisa seguir para o Senado Federal. Para Jason Vieira, essa medida é um exemplo de alguns pontos listados pelo governo com pouco impacto de curto prazo, mas que podem ajudar sensivelmente a economia brasileira e médio e longo prazos. “É um ponto importante, embora o mercado talvez nem olhe muito. Ajudaria na normalização de taxas nominais relativamente baixas”, disse. O economista não acredita que o governo terá grandes dificuldades em aprovar o projeto caso se empenhe, uma vez que os impactos são limitados — em nível eleitoral, são considerados nulos.

9. Redução da Desoneração da folha (PL 8456/2017)
É considerada uma das pautas mais difíceis de aprovação dentro do pacote de medidas listadas pelo governo. Há um projeto já em tramitação na Câmara dos Deputados, aguardando a constituição de comissão especial. A proposição pode ter apreciação conclusiva no colegiado, desde que não seja apresentado e votado requerimento que a leve a plenário. Posteriormente, segue ao Senado Federal.

Por envolver um rol muito amplo de setores afetados, a medida enfrenta grandes resistências e vem sendo tentada desde o fim do governo Dilma Rousseff. O próprio presidente Michel Temer já viu medida provisória sua sobre o mesmo tema caducar. “A história tem mostrado que o governo tem especial dificuldade em mexer em questões que envolvam redução de gasto ou aumento de carga tributária. No caso da desoneração, o governo vem sistematicamente perdendo e não consegue recomposição da base tributária diante das concessões oferecidas”, avaliou o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.

10. Programa de recuperação e melhoria empresarial das estatais (PL 9215/2017)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de autoria do Poder Executivo. O texto aguarda designação do relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, e ainda tem que passar pelas comissões do Trabalho; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça. A proposição pode ter apreciação conclusiva no colegiado, desde que não seja apresentado e votado requerimento que a leve a plenário. Posteriormente, segue ao Senado Federal.

11. Cadastro Positivo (PLP 441/2017)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei complementar de autoria do senador Dalirio Beber (PSDB-SC). A proposição aguarda constituição de comissão especial e ainda precisa ser apreciada pelo plenário. Possivelmente, trata-se da pauta mais simples de ser aprovada entra a lista apresentada pelo governo. Apesar de os efeitos serem pequenos sobre o mercado, trata-se de medida considerada positiva pelos analistas para a economia brasileira.

12. Duplicata eletrônica (PL 9327/2017)
Tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei de autoria do deputado Júlio Lopes (PP-RJ). A proposição aguarda designação de relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. O texto ainda precisa passar pela comissão de Constituição e Justiça e pode ter apreciação conclusiva sem necessidade de apreciação do plenário, desde que que não seja apresentado e votado requerimento que a leve à deliberação de todos os deputados. Depois da Câmara, a proposição ainda precisa passar pelo Senado Federal.

13. Distrato (PLS 774/2015)
De autoria do senador Romero Jucá (MDB-RR), a matéria encontra-se desde dezembro de 2015 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, nas mãos do relator Benedito de Lira (PP-AL). A medida é muito aguardada por empresas do setor imobiliário, cujo caixa tem sofrido com o volume de devoluções. Para Solange Srour, a despeito do longo tempo tramitando no parlamento, a medida tem maior facilidade de aprovação.

Na avaliação de Jason Vieira, embora muito favorável para as imobiliárias, a medida não deverá provocar profundas reações no mercado. Ele acredita que os efeitos serão similares aos da desburocratização e liberação de meios de pagamento pelo Ministério da Fazenda. “Distratos, cadastro positivo, duplicata, depósito voluntário: são medidas que, se você olhar no cerne, no curto prazo, parece que não têm efeito, mas, se você for olhar o impacto microeconômico, acaba sendo muito positivo que ninguém está vendo com muita atenção”, observou o economista-chefe da Infinity.

14. Atualização da Lei Geral de Telecomunicações (PLC 79/2016)
Tramita no Senado Federal proposta de autoria do deputado federal Daniel Vilela (MDB-GO). A proposta aguarda definição por parte da mesa sobre sua tramitação. A tendência é ser encaminhada para comissões temáticas para novas discussões. A medida já foi alvo de judicialização no ano passado e envolve interesses de grupos organizados influentes em Brasília.

15. Extinção do Fundo Soberano

Segundo auxiliares do Executivo, o projeto deverá ser encaminhado via PL ou Medida Provisória ao Legislativo nos próximos dias. Neste momento, a proposta encontra-se na Casa Civil. Hoje, o Fundo conta com cerca de R$ 2 bilhões. Para Jason Vieria, a medida é muito bem vista pelo mercado, mas deverá haver disputa política maior com a oposição durante a tramitação da proposta no parlamento.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.