Cielo deixa sistema de trava de recebíveis: bom para a empresa e ruim para os bancos

Movimento pode aumentar a competitividade da empresa com relação aos novos entrantes do mercado de maquininhas

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – A Cielo anunciou que deixará o Sistema de Controle de Garantias (SCG), que trava recebíveis performados e não performados (crédito fumaça). Segundo informações do Valor, Rede e Getnet também estudam deixar esse sistema, o que pode significar o fim do funcionamento do mecanismo na prática.

O SCG, que já estava programado para ser substituído, é ligado à Febraban e responsável por centralizar informações de lojistas para garantir o crédito via recebíveis, evitando duplicidade. As críticas ao modelo atual são que montante acima do utilizado para colateral fica travado nos bancos, o que diminui a capacidade das adquirentes de fazer pré-pagamentos a lojistas – e, de certa forma, o acesso ao crédito.

Por conta dessa trava considerada além do necessário, as pequenas adquirentes, que entraram mais recentemente no mercado, não aderiram ao SCG alegando motivos concorrenciais. Ao optar por deixar o sistema, a Cielo falou em “jogar pelas mesmas regras”.

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A partir do comunicado, a Cielo tem 90 dias para deixar totalmente o sistema, então ainda há possibilidade de um novo arranjo dentro desse prazo. Segundo fontes do mercado, há 6 meses a Cielo e as credenciadoras maiores (Rede e Getnet) tentam pressionar o SCG e o BC para exigir que as menores (PagSeguro, Safra Pay e Stone) participem do sistema. O BC tem evitado interferir por entender que o sistema é privado.

Caso efetivamente saia do SCG, a Cielo deve ganhar competitividade com relação a players que já entraram no mercado sem aderir ao sistema. O primeiro “rebelde” neste sentido foi a Safra Pay, do Banco Safra.

Eduardo Nishio e Rubens Oliveira, do banco Brasil Plural estimam que a penetração da empresa neste mercado pode dobrar, de 17% no primeiro semestre para quase 30% nos próximos dois anos. O banco vê potencial de valorização de 33% para a CIEL3. Na abertura das negociações em bolsa desta sexta-feira (5), a ação chegou a subir 2,58%, mas fechou no zero a zero.

O BTG estima que a Cielo tem receita anual de aproximadamente R$ 100 milhões em recebíveis “trancados” de comerciantes no nome dos bancos. A decisão de deixar esse sistema irá zerar esta receita. “Para compensar essa perda, assumindo 0 ganho de fatia de mercado, a receita de pré-pagamentos precisa crescer 6%, ou a taxa de pré-pagamentos deve subir 100 pontos-base – o que não deve ser difícil”, escreveu o banco em relatório.

Má notícia para os bancos

Analistas do setor viram o anúncio da Cielo como marginalmente positivo para a própria empresa, mas, em última instância, negativo para os bancos. Segundo os especialistas do Credit Suisse, a saída pode acabar com o serviço de garantia oferecido por Bradesco e Banco do Brasil.

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“Sem travas, os bancos não poderão usar os recebíveis como colaterais, transformando o crédito fumaça em spread sem segurança para esta linha”, escreveram analistas do BTG Pactual.

Rafael Frade, do Bradesco BBI, tem visão semelhante. “Sem uma das formas mais tradicionais de colateral, acreditamos que os bancos podem reduzir seu apetite pera o setor”, afirma, mas com uma ressalva: isso já vinha acontecendo. “Esse já tem sido o caso por um tempo, dado que as novas adquirentes não entraram no SCG”. O analista diz que, no passado, os empréstimos correspondiam e 6 vezes o valor dos recebíveis mensais dos vendedores; atualmente, este número é próximo de 2,5 vezes.

Nishio e Oliveira apostam que o BCB forçará adquirentes a registrar suas transações no SCG, obrigando mudança no sistema que trave apenas valores comprometidos. Isso potencialmente aumentaria a competitividade entre bancos e diminuiria o spread – atualmente em 300% do CDI.  

Guerra das maquininhas

Como a antecipação de recebíveis é muito popular entre pequenos empresários, na visão de Frade, a Pagseguro deve sentir pouco impacto com a mudança, enquanto aquelas focadas com mais apego no setor de pequenas e médias empresas serão mais afetadas. “No caso da Pagseguro, acreditamos que o cliente típico não é cliente dos bancos [nesta frente], diminuindo a relevância do movimento da Cielo”, escreve.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney