Os 3 grandes significados políticos da intervenção federal no Rio de Janeiro

O contexto em que a decisão do presidente Michel Temer ocorreu também alimenta avaliações acerca dos efeitos políticos de tão sensível iniciativa, a pouco menos de oito meses das eleições

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A Câmara dos Deputados deve votar nesta segunda-feira ou no dia seguinte o decreto que determina intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Ainda há muitas dúvidas sobre como se dará a operação prevista para até 31 de dezembro deste ano, mas o assunto já alimenta discussões sob os mais distintos pontos de vista. O contexto em que a decisão do presidente Michel Temer ocorreu também alimenta avaliações acerca dos efeitos políticos de tão sensível iniciativa.

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1. Agenda positiva

A intervenção federal na segurança do estado do Rio de Janeiro altera profundamente a agenda do governo, saindo do eixo potencialmente negativo para o eleitorado com a reforma da Previdência (medida amplamente reprovada pela maior parte dos brasileiros), e caminhando para a área da segurança pública, uma das grandes pautas das eleições que se aproximam. Como observou o diretor-geral do instituto Datafolha, Mauro Paulino, em entrevista concedida ao InfoMoney no início de fevereiro, a economia não será o principal tema da corrida presidencial em outubro, embora mantenha relevância no debate. No lugar dela, entrarão os temas da segurança pública e saúde.

Nesse sentido, o governo assume posição mais assertiva e que pode lhe render dividendos políticos. Ainda é cedo falar em resultados, mas caso a iniciativa tenha repercussão positiva perante o eleitorado, embora especialistas apontam como um paliativo de baixa eficácia, Michel Temer poderá ganhar força para o final de seu mandato. Isso pode ampliar seu poder de influenciar o processo eleitoral que se aproxima, aumentando a relevância do apoio do MDB na corrida, tendo em vista a potencial redução de desvantagens e a manutenção de vantagens como estrutura partidária, capilaridade, tempo de televisão, além da própria máquina pública federal. Há quem acredite, inclusive, que o presidente pode ainda buscar uma candidatura à reeleição, tendo em vista a elevada imprevisibilidade do cenário eleitoral e a inexistência, até o momento, de um nome capaz de aglutinar o centro reformista e defenda o legado da atual gestão.

Na mesma entrevista concedida ao InfoMoney, Mauro Paulino chamou atenção para a elevada desaprovação das polícias pelos brasileiros e o prestígio que têm as Forças Armadas, o que também oferece racionalidade política à nova movimentação do governo Michel Temer. “Nossa pesquisa mostrou que a instituição com mais prestígio e mais bem avaliada neste momento são as Forças Armadas, também justificado por esse medo que a população tem de sair às ruas. Para se ter uma ideia, metade da população brasileira identifica a presença de facções criminosas nas regiões de suas residências”, explicou.

“Algumas pesquisas que fizemos mostram as proporções iguais de pessoas que têm mais medo da polícia do que dos bandidos e mais medo dos bandidos do que da polícia. Isso divide a população. Na periferia, há uma taxa muito alta de pessoas que temem serem acusadas de algo que não fizeram, que é uma prática frequente da polícia, principalmente nessas regiões. O eleitorado, especialmente os mais desfavorecidos, que têm uma renda familiar abaixo de três salários mínimos e representam cerca de 70% da população, acaba sentindo a violência tanto do lado policial, quanto do lado da criminalidade”, continuou o diretor do Datafolha.

Embora a intervenção esteja concentrada no estado do Rio de Janeiro, o que poderia reduzir qualquer sensação de melhora por cidadãos de outros estados, vale lembrar que o uso de forças federais já foi feito em outras unidades da federação, como Espírito Santo e Rio Grande do Norte. Uma narrativa que contemple todas essas movimentações pode ampliar os efeitos políticos de uma eventual ação bem-sucedida aos olhos de parcela relevante da população.

“Há quem ache que a intervenção federal foi para escamotear a falta de votos para a reforma da Previdência. Há quem credite à faixa pendurada na Rocinha dizendo que o morro desceria se Lula for preso. Porém, a verdade pode ter mais a ver com testar o impacto de uma resposta dura na área da segurança pública para disputar o eleitorado ansioso com isso, que é numeroso, pluriclassista e se inclina por Jair Bolsonaro. Afinal, pode ser bom para a popularidade — a rejeição Temer já tem –, e vitrine melhor que o Rio de Janeiro não existe. Ademais, a hora é agora, uma vez que os ensaios dos establishment em pele de outsider e o próprio Alckmin, ao que parece, naufragam”, observou o analista de cenários Leopoldo Vieira, da Idealpolitik.

2. Efeitos eleitorais

Até o momento, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) é o candidato que melhor canaliza dividendos eleitorais com a agenda da segurança pública. Será preciso observar os desdobramentos da operação no Rio de Janeiro e a guerra de narrativas entre os candidatos para que uma avaliação mais clara seja feita acerca dos efeitos do acontecimento sobre o nome do ex-capitão do Exército. Enquanto uns veem chance de Bolsonaro sair diminuído caso a operação seja exitosa e vinculada ao presidente Michel Temer, outros veem o parlamentar ganhando pontos com o deslocamento da agenda.

“Bolsonaro gostou? Obviamente que sim. Pode até ser que o candidato, que tenta ser mais moderado, não volte a dizer isso, mas entre seus seguidores, nos próximos dias, veremos a frase: ‘Quando as coisas dão errado, sempre é melhor apelar para os militares’. Do ponto de vista político, essa intervenção pode servir muito a ele”, observaram os analistas da XP Investimentos.

Em um primeiro momento, também pode-se esperar um efeito negativo do evento à imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e candidatos da esquerda que se posicionarem contra a intervenção, como é o caso do ex-governador Ciro Gomes, sobretudo em função da boa reputação das Forças Armadas perante boa parte do eleitorado e a possibilidade de alguma percepção de melhora, ainda que de curtíssimo prazo, sobre a situação da segurança dos cariocas.

Como já observado anteriormente, Michel Temer visa, com a operação, aumentar seu capital político e o poder de influenciar no processo eleitoral. Uma melhora na baixíssima popularidade do presidente pode oferecer-lhe ainda maior poder na disputa por sua sucessão, sobretudo quando se leva em consideração as regras do jogo: com financiamento de campanhas restrito a recursos públicos e doações de pessoas físicas, cresce a importância da máquina pública, da capilaridade e estruturas dos partidos, além do tempo de televisão. Nesse sentido, o MDB tem amplo poder de influenciar o jogo.

Dificilmente a intervenção será suficiente para colocar o presidente em condições para disputar uma reeleição com chances de vitória. Como observou o analista político Paulo Gama, da XP Investimentos, no último programa Conexão Brasília, o Rio de Janeiro não virará uma Genebra em poucos meses. Da mesma forma, é preciso lembrar as dificuldades de comunicação de Temer. É possível que o eleitorado não associe qualquer melhora ao presidente. Por outro lado, vale ressaltar a fala do próprio ministro da Justiça, Torquato Jardim, em resposta a questionamento sobre suposta avalanche de pedidos de socorro de outros estados na segurança pública: “o que vier o governo federal assistirá, responderá na extensão de sua capacidade operacional e seus limites de orçamento”.

Qualquer ganho de capital político de Temer prejudica os planos de Geraldo Alckmin (PSDB), que tem dificuldades em crescer nas pesquisas eleitorais e resiste a qualquer ideia de costurar aliança mais efetiva com o MDB, receoso de uma contaminação da imagem ruim do atual governo. Um ganho de relevância de Temer eleva os custos de eventual apoio de seu partido a qualquer candidato, sobretudo o tucano. Outro derrotado com eventual fortalecimento do emedebista é o ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que ainda se vê posto em escanteio com a mudança abrupta na pauta governista.

“Rodrigo e César Maia se beneficiarão? Sim, eles têm vetores locais que ajudarão na comunicação, desde que Temer deixe Maia participar como protagonista deste ato”, avaliou a equipe de análise da XP Investimentos.

3. Reforma da Previdência

A observar o clima político no parlamento neste início de ano, a mudança da agenda política do governo pode ter tornado as chances de aprovação da reforma da Previdência ainda mais remotas, uma vez que qualquer atraso na agenda legislativa coloca os congressistas mais próximos do calendário eleitoral, o que os distancia de pautas impopulares. Para muitos, a intervenção no Rio de Janeiro foi uma espécie de saída honrosa do governo de uma agenda que provavelmente lhe traria uma derrota no plenário da Câmara dos Deputados.

“Obviamente, a primeira vítima é a reforma da Previdência”, observaram os analistas da XP Investimentos. Contudo, “não é, e isso temos repetido insistentemente há meses, o agora estado de intervenção ou qualquer outra razão que bloqueia a reforma previdenciária, é a falta de votos”. A Constituição Federal veda a promulgação de qualquer emenda que venha a alterá-la em momentos de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio decretados. Porém, há divergências no mundo jurídico acerca dos efeitos disso na prática. Apenas a promulgação estaria suspensa ou toda a tramitação de qualquer PEC (Proposta de Emenda Constitucional)?

No entendimento do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a Constituição proibe que o parlamento se engage em processo de análise e votação de qualquer emenda constitucional nessas circunstâncias. Mas este não é entendimento pacífico. Posição similar tem o presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB-CE). Esquivando-se do rótulo de que a intervenção teria sido medida oportunista para desviar o foco da improvável reforma previdenciária, o presidente Michel Temer afirmou que pode suspender a ação no Rio de Janeiro para que a PEC seja votada caso os 308 votos necessários sejam alcançados. Isso, no entanto, não evitaria uma nova judicialização. Se depender de parlamentares da oposição, a manobra seria alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal.

Do ponto de vista político, a maioria dos analistas vê com maior ceticismo qualquer possibilidade de aprovação das alterações nas regras para aposentadorias, mesmo que com itens analisados de forma separada (idade mínima, regra de transição ou equidade entre trabalhadores dos setores público e privado, por exemplo). Porém, há quem ainda observe chances de tal agenda voltar ao parlamento antes mesmo as eleições, mesmo que com o calendário cada vez mais apertado.

“De quebra, [a intervenção federal no Rio de Janeiro] pode ajudar a aprovar a mudança na Previdência (em vez do contrário), ao oferecer uma pauta positiva para a base chamar de sua, enquanto a madrugada se encarrega do ‘remédio amargo'”, observou Leopoldo Vieira. Afinal, em Brasília tudo é possível.

Também há divergências entre os analistas sobre o futuro de outras pautas da agenda fiscal, como a reoneração da folha de pagamento das empresas, a tributação de fundos exclusivos, o adiamento de reajustes para servidores e o aumento da alíquota de contribuição previdenciária, além da cessão da cobrança de dívidas e até mesmo a privatização da Eletrobras. Enquanto uns veem toda a agenda econômica comprometida, outros observam chances para alguns avanços, sobretudo no último caso. A observar os esforços do governo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.