O Brasil pede socorro: como os candidatos à presidência podem apontar soluções para o problema de segurança?

Renato Sérgio de Lima aponta a clareza que o tópico da segurança pública será um ponto focal dos debates eleitorais

Fredy Alexandrakis

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SÃO PAULO – “Segurança pública”: são duas palavras que estão na boca de todos os principais pré-candidatos à presidência – em especial, figura nos discursos de Jair Bolsonaro (PSL), que está na liderança das pesquisas de intenção de voto, atrás somente de Lula. Não é à toa. “Em alguns territórios [do Brasil] a violência supera em muito não só guerra civil como guerras abertas, como as da Síria e várias outras”, afirmou Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, em entrevista para o podcast da Rio Bravo Investimentos.

Mais do que ninguém, Lima tem a clareza de que esse será um ponto focal dos debates eleitorais, por ser algo que “tem um impacto muito grande na realidade do dia a dia da população”. Todavia, apesar da importância do assunto, nada garante que as discussões serão produtivas.

É preciso que os candidatos considerem o problema no sentido de coordenar esforços para superá-lo, e “menos em termos ideológicos – ‘eu mato, eu não quero matar, eu prendo, eu não quero prender’. O Brasil fica em alguns tabus morais e evita discutir questões práticas”, avalia. Para ele, não se pode deixar que o medo fomente a vontade de combater fogo com fogo: “se violência resolvesse o Brasil, nós teríamos a paz do cemitério”, ironiza.

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Nesse sentido, o sucesso de projetos como a intervenção federal no Rio de Janeiro deve ser medido por sua capacidade de articular as polícias com estratégia e inteligência: “se o crime organizado age de forma violenta, o Estado não precisa ir lá querer enfrentar de peito aberto”, argumenta. “A gente não tem que deixar o crime organizado ter superioridade bélica. Isso não se faz com enfrentamento, se faz com inteligência, com planejamento, com trabalho de investigação”.

Confira os destaques da entrevista:

Rio Bravo: Qual é o trabalho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da metodologia de pesquisa do Atlas da Violência?

Renato Sérgio de Lima: O Fórum é uma entidade que foi criada em 2006. Nós estamos no seu 12º ano de existência. É uma entidade que é um misto. Ela é uma espécie de hub de aproximação de diferentes segmentos da área. Hoje, nós somos por volta de 300 associados. Desses 300, mais ou menos 40-42% são profissionais da Segurança Pública – policiais, guardas, promotores, juízes de 24 das 27 unidades da Federação.

O Fórum acabou se constituindo a partir de dois eixos de atuação, seja o eixo de indução de informações e dados, aonde nós produzimos não só o Atlas, mas também o Anuário com dados da Segurança Pública. É importante que a gente faça essa distinção. O Atlas da Violência usa como fonte os dados do sistema de saúde e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública usa como fonte os dados do sistema policial. São complementares, um não é melhor que o outro.

E a outra frente de trabalho é uma grande construção de consensos técnicos sobre como enfrentar, por exemplo, a redução do homicídio, a redução dos crimes contra o patrimônio, os roubos e várias outras características e dimensões, como por exemplo também a violência contra a mulher, os feminicídios, os estupros. Enfim, nosso foco é a governança do sistema de segurança.

RB: De acordo com os dados referentes ao Atlas da Violência, é exagero afirmar que o Brasil vive clima de guerra civil?

RSL: Eu diria que o Brasil vive um clima de guerra civil de forma relativa, porque em alguns territórios a violência supera em muito não só guerra civil como guerras abertas, como as da Síria e várias outras. Nós temos patamares de homicídios e de mortalidade superiores a cem mortes para cada grupo de cem mil habitantes. Esses são números que são a evidência do nosso fracasso civilizatório.

Esses são lugares onde nós concentramos jovens, a população afrodescendente, os negros e os pardos – na verdade, como o IBGE calcula, os pretos e pardos -, e os mais pobres. Então, a violência atinge territórios específicos de forma muito mais intensa. Num exemplo que o Atlas trouxe, dos 5.570 municípios que o país possui, 2% deles, por volta de 122 municípios, concentram metade de todos os homicídios do país.

Se a gente pensar que dentro desses próprios municípios nós poderíamos atuar nos bairros mais violentos, não, nós não precisaríamos pensar em soluções mágicas ou em salvadores da pátria. Daria para construir respostas, políticas públicas muito eficientes se, no caso da Segurança Pública, nós atuássemos a partir de focalização e boas estratégias que são muito comuns em outros países.

O Brasil vive uma guerra civil contra a sua própria população, mas com a sua própria população que majoritariamente se concentra em alguns territórios pobres das grandes cidades brasileiras.

RB: Então, um dos ingredientes para esse estado de coisas é a questão da desigualdade social?

RSL: Da desigualdade social e da desigualdade racial, que é muito associada a isso. Um jovem negro com as mesmas condições socioeconômicas que um jovem branco, ou seja, mesmo que seja um jovem branco pobre e um jovem negro pobre, com a mesma escolaridade, enfim, com as mesmas questões, o jovem negro corre um risco 2,7 vezes maior do que um jovem branco na mesma faixa etária e nas mesmas condições.

RB: É possível fazer esse cálculo? Nas mesmas características, um jovem negro e um jovem branco, o jovem negro sai em condições piores de sobrevivência?

RSL: Exatamente. Nós fizemos isso em um outro estudo, que se chama Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, que nós divulgamos no final do ano passado com a Unesco, e a gente pode perceber que a questão do jovem negro é fundamental. Ele sai muito atrás do que o jovem branco nas mesmas condições.

A gente pode dizer “Ah, mas isso é racismo, isso é preconceito, isso é racializar o debate, é ideologia”. Não, acho que aí é um debate para os políticos, mas numa discussão técnica, com base em evidências, nós temos uma questão racial que precisa ser discutida. Fazer esse debate não significa que eu vou dizer que as instituições são racistas ou não, mas a gente precisa ter a clareza de debater temas que são tabus na nossa sociedade. Se nós não fizermos esse tipo de debate a gente vai ficar construindo ambientes para polarização que hoje são chaves para entender um pouco do momento que o país tem.

O Atlas da Violência teve um impacto no debate da sociedade nos últimos dias muito grande e nós, na nossa análise, entendemos que esse impacto foi maior do que em edições anteriores ou não exatamente porque o tema da violência, do medo e da Segurança Pública foi trazido para o centro das atenções políticas e institucionais. Ele vai ter um impacto muito grande agora no debate eleitoral e ele tem um impacto muito grande na realidade do dia a dia da população.

Mesmo quem mora num bairro central de classe média alta sabe os riscos e tem muito medo de viver em situações de confronto, tiroteios, latrocínios. O medo de morrer é democrático, atinge a todos nós. Quando a gente olha os dados, a gente percebe que em alguns bairros mata-se mais do que em outros, mas o debate precisa ser feito. A construção de soluções eficazes precisa ser feita e, sem dúvida nenhuma, vai ser esse um dos principais temas da agenda eleitoral desse ano.

RB: O tema da Segurança Pública, por ter entrado de vez na discussão eleitoral, não corre o risco de que o apelo do uso da força bruta seja justificado graças a essas estatísticas?

RSL: Esse é um risco e essa, sem dúvida, é uma das nossas maiores preocupações, porque se violência resolvesse o Brasil seria, nós teríamos a paz do cemitério, nós teríamos um país parecido com a Suécia, com a Dinamarca, com a Suíça. Por quê? Porque desde os anos 80 para cá, que nós temos os dados do sistema de saúde, mais de 1 milhão de pessoas foram mortas violentamente no país.

Nós temos que olhar como que as instituições precisam se modernizar para que elas não gerem mais violência, elas não gerem mais desigualdade e, pelo contrário, elas permitam que a gente de alguma forma dê um basta nessa violência. E eu estou falando de coisas muito concretas.

Da forma como o sistema prisional hoje está organizado ninguém sabe mais ou menos como administrá-lo. A pena de prisão, ou seja, a prisão, a pena individual é uma responsabilidade do Poder Judiciário. O estabelecimento prisional é uma responsabilidade do Poder Executivo.

Quando a gente fala da Segurança Pública, se a gente for identificar todas as instituições que, em tese, as suas ações têm efeitos na Segurança Pública, nós vamos chegar a um número impressionante de quase 1,4 mil instituições públicas que têm algum tipo de responsabilidade na construção desse ambiente de segurança. São 27 secretarias de Segurança, 27 Polícias Civis, 27 Polícias Militares e assim sucessivamente, 27 Tribunais de Justiça, Tribunais de Conta, Forças Armadas, Ministérios, mais de 1,1 mil guardas municipais. Quando a gente soma tudo isso, o que a gente vai perceber?

Não existe na nossa estrutura, no nosso modelo federativo e republicano do país, nenhuma instância que coordene todos esses esforços. E em não existindo, a gente tem um quadro que é muito perverso, com a sociedade que convive com taxas obscenas de violência e com os próprios profissionais, que trabalham e trabalham muito, muitas vezes sem a devida proteção, morrendo no dia a dia do enfrentamento com o crime organizado.

Mas a gente tem que entender que a violência não é só fruto do crime organizado, tem a violência doméstica, tem a violência contra a mulher, contra a criança, enfim, o país precisa falar que violência é um problema sim, não só a violência do crime organizado. E a gente vai olhar para tudo isso e vai dizer: “Tá, mas se não tem uma coordenação, todo mundo trabalha muito e quem vai dar o tom acabam sendo as facções criminosas”, porque elas é que fazem, vão agir e todo mundo vai tentar ir atrás para resolver.

Enfim, o Estado perde inteligência, perde capacidade de antecipar problemas e o crime toma conta. No Brasil, nós nos acostumamos a entender governança como um tema muito ligado a compliance, a transparência, a controle, só que tem uma outra dimensão da governança que precisa ser trazida à tona. E é importante, por exemplo, que os gestores do mercado financeiro conhecem muito bem isso, que é a coordenação. Quando a gente fala de governança, a gente está falando de coordenação.

Como é que eu crio mecanismos que coordenem? Claro que, no plano perfeito, nós teríamos um mecanismo que coordenasse essas 1,4 mil instituições. Isso é impossível, isso talvez seja o sonho dos gestores, mas a gente tem que criar condições para caminhar todos no mesmo caminho. E se o debate eleitoral puder ser feito nesses termos e menos em termos ideológicos – “eu mato, eu não quero matar, eu prendo, eu não quero prender”… O Brasil fica em alguns tabus morais e evita discutir questões práticas.

Quanto custa essa nossa estratégia de priorizar a prisão? Quanto custa não só em termos econômicos, mas em termos socioeconômicos e demográficos priorizar a prisão de pequenos delitos, muitos deles de presos em flagrantes? Esse é um sistema eficiente? Vamos usar o modelo norte-americano, mas principalmente de Nova Iorque, no debate eleitoral. As polícias no Brasil aprendem que abordagem policial é uma prática cotidiana. Quando o prefeito de Nova Iorque, atual eleito, falou que ia parar com isso foi uma grande revolta. Atualmente, depois de uma redução muito forte nas abordagens, a violência começou a cair.

RB: Mas isso não se deve ao fato de que nos Estados Unidos durante muito tempo, em Nova Iorque especificamente, a política de tolerância zero de certa maneira criou subsídios para que o Bill de Blasio, prefeito de Nova Iorque, pudesse avançar nesse sentido?

RSL: Sem dúvida. Criou as condições para você poder permitir algumas mudanças da forma de trabalho. O problema é que a gente aqui tem usos e costumes que a gente nunca avaliou. Nós não temos uma avaliação concreta sobre o efeito da abordagem, nós não temos uma avaliação, não temos indicadores sobre outros padrões de policiamento.

Ah, “UPP é a grande solução para o problema da Segurança no Rio de Janeiro”. Não, a gente fez uma avaliação alguns anos atrás. Ela cumpriu um papel importante de redução de alguns conflitos em algumas determinadas áreas, só que pelo sucesso daquele momento foi tomada como o grande padrão do Rio. Só que ela mobiliza, por exemplo, 11 vezes mais policiais do que o padrão normal de policiamento. Isso estrangulou a capacidade operacional do Estado.

Ou seja, tem que ter no mesmo ambiente, no mesmo território, 11 vezes. Significa que eu teria que fazer o efetivo das polícias cariocas crescer 11 vezes para dar conta de universalizar no território carioca a política da UPP. Dá para fazer isso? Não no ambiente de constrangimento fiscal e econômico do país.

A gente tem que usar uma coisa que na segurança parece que a gente está falando quase que um palavrão, que é a avaliação. Nós não podemos fazer com que Segurança seja exclusivamente uma agenda policial. É uma agenda da sociedade.

RB: Então exatamente por esse dado, a gente não corre o risco de ter naturalizado as medidas como a intervenção federal no Rio de Janeiro?

RSL: Sem dúvida nenhuma. A intervenção federal no Rio é uma medida que tem duas formas de a gente pensar. Uma é que algo precisava ser feito e a intervenção foi na ideia de reorganizar as forças de Segurança, todas elas no Rio de Janeiro. A gente também pode pensar que é uma ação que tinha que ser tomada. É a melhor ação? Na nossa avaliação, não necessariamente.

Ela poderá ter sido no final de dezembro, quando a gente encerrá-la, uma boa ação se ela tiver conseguido fazer essa coordenação que eu comentei em relação às várias agências e instituições e modernizar a relação de, por exemplo, questões muito óbvias e que também têm a ver com eleição, o debate eleitoral, e não só no Rio, mas aqui em São Paulo e em vários estados, que é o seguinte: blindar polícia de indicação política. Indicar delegado, indicar comandante não é uma tarefa do partido político.

RB: Acaba sendo uma tarefa do Estado nesse caso.

RSL: Mas é do Estado a partir de uma atividade de um planejamento. Você indica o comandante, você indica o delegado, o governador eleito no caso, a partir de um projeto. Você hoje consome muita energia nas negociações políticas de quem vai ser o delegado, quem vai ser o comandante.

“Ah, mas você está falando dos chefes”, mas nos distritos – isso aconteceu muito no Rio de Janeiro – o comerciante local fazia muito investimento para escolher o oficial amigo, o delegado amigo para chefiar o distrito local. Isso abre margem não só para corrupção, mas abre margem para o compadrio, para influências. Isso boicota o bom policiamento, os padrões, a análise por manchas quentes.

Enfim, a intervenção, se ela conseguir blindar a influência perversa que a política tem na polícia, já vai ser uma conquista. Se ela conseguir mostrar integração entre a Polícia Civil e a Polícia Militar, para além de uma manutenção da estratégia de ocupação e confronto dos territórios, mas aportar inteligência para evitar que a arma chegue nos morros, nas comunidades, para que a droga chegue, que a gente consiga sufocar o crime violento de forma a fazer com que ele fique extremamente caro, tanto econômico como socialmente, terá sido um sucesso, mas isso vai exigir mudança de mentalidade.

Se o crime organizado age de forma violenta, o Estado não precisa ir lá querer enfrentar de peito aberto, não precisa ir lá querer “Eu preciso ter superioridade bélica para fazer frente, porque é assim que é na lógica militar”. Não, a gente não tem que deixar o crime organizado ter superioridade bélica.

Isso não se faz com enfrentamento, se faz com inteligência, com planejamento, com trabalho de investigação, isolando lideranças e, sobretudo, indo atrás do dinheiro, fazendo com que os fluxos dos recursos ilegais que alimentam o crime organizado sejam interrompidos e sejam completamente drenados e fazendo com que o crime custe tão caro que a opção seja não cometê-lo ou cometê-lo – porque não existe crime zero em nenhuma sociedade do mundo – mas em patamares que não nos faça sermos recordistas em violência.

RB: O próximo presidente da República vai ter condições de revogar a intervenção federal no Rio de Janeiro do ponto de vista da percepção da opinião pública?

RSL: Ele não só precisa ter condições como o Brasil exige que ele tenha essas condições. Caso ele não o faça, o Congresso vai ficar paralisado.

RB: Mas o nível de aprovação da intervenção federal no Rio de Janeiro é muito alto.

RSL: Sim, porque a população quase que fez um pedido de socorro. Os candidatos precisam colocar qual vai ser a solução proposta agora para que ela possa ser pensada, planejada, avaliada, porque o Brasil com intervenção não pode mudar sua Constituição, portanto não pode enfrentar os outros dilemas e as outras crises para fazer a economia voltar a crescer. A população, com a aprovação, está mandando uma mensagem: “Nós queremos que o Estado nos proteja”. Querer que o Estado proteja significa política pública mais eficiente.

O governo federal vai ter que pensar como que ele vai auxiliar o governo do Rio de Janeiro a reconstruir a sua Segurança Pública. Uma coisa que entra em vigor agora dia 11 será fundamental. No próximo dia 11 de julho, entra em vigor a lei que criou o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), que o Congresso votou e o presidente promulgou. E essa lei tende a criar exatamente uma nova estrutura de governança para a Segurança Pública. Ela é suficiente? Não, porque ela é tímida, ela não envolve o Judiciário e o Ministério Público, mas ela vai no caminho certo.

Entre algumas questões que estão colocadas ali, que são fundamentais e que até causou uma feliz surpresa na gente, foi que a lei fala de avaliação, a lei fala de padronizar informações, a lei fala de proteger e valorizar o profissional, a lei fala exatamente todas as questões fundamentais que o Fórum tem falado nos últimos dez anos como condições básicas para construção de um novo sistema de Segurança Pública.

RB: Falando de novo do Atlas da Violência, o estado de São Paulo conseguiu reduzir a taxa de homicídios no período que foi feito o estudo, enquanto nos estados do Norte e Nordeste houve um aumento bastante significativo. Quais são as hipóteses que explicariam essa avaliação?

RSL: Uma questão que todo mundo que analisa política pública sempre tem por certo é que violência é um fenômeno multicausal. A gente nunca tem um fenômeno que explica tudo. Isso contraria os discursos dos políticos que gostam de “eu fiz e resolvi o problema”.

Não, na prática é a correlação de vários fatores, mas o que chama muito a atenção na questão dos homicídios de São Paulo em relação ao resto do país na verdade são dois fatores. Na verdade, três. Um de ordem mais pública. De fato, aqui os investimentos na área da Segurança, pela capacidade que o estado de São Paulo tem em relação ao restante do país, foram afetados pela crise, mas continuaram existindo.

Então, quando você tem investimentos perenes em qualquer política pública e em polícia, sobretudo, você consegue manter minimamente uma estrutura funcionando. Para usar um exemplo, no Rio Grande do Norte faz dez anos que não se faz concurso para as polícias. São Paulo todos os anos tem um concurso para a Polícia Militar, isso faz toda a diferença do mundo.

Ou seja, gestão, administração pública e capacidade de manter em funcionamento uma estrutura mínima que garanta segurança para a população. Por outro lado, nós temos um fator que os dirigentes públicos muitas vezes reclamam, mas é inegável. Aqui, nós temos uma única organização criminosa monopolizando o comércio de drogas e armas.

É a maior, mas é uma só, então aqui você não tem brigas que tem, por exemplo, entre o Comando Vermelho e o Terceiro Comando ou entre as várias organizações no Rio de Janeiro ou no Nordeste as várias facções brigando entre si, você tem um monopólio que garante que o comércio da droga, a discussão do território seja mais pacífica do que em outros lugares.

RB: Uma última pergunta, Renato. No Atlas da Violência está escrito que os governadores que se envolveram diretamente com a questão da Segurança Pública viram diminuições gradativas nas taxas de homicídio. Na sua avaliação, esse é o caminho?

RSL: Todos os estados que implementaram programas de coordenação e articulação precisaram ter na figura do governador a figura de liderança fundamental para fazer essa ponte para dirimir eventuais conflitos institucionais. No limite, era o governador que arbitrava todos os conflitos entre as diferentes organizações para dar um rumo. Então, esse é um caminho sim, dar um rumo. Na verdade, é a discussão de governança.

Se é um corpo, aquele que tiver capacidade de política institucional de coordenar os esforços vai ter que priorizar a área da Segurança como um fator de desenvolvimento e um fator político. Hoje, muitas vezes, alguns dirigentes, seja na Presidência ou seja nos governos, ou seja, nos prefeitos, tinham o mau hábito de simplesmente pensar que “Segurança é com a polícia”. Não, esse é um problema central para a agenda brasileira e vai precisar ser uma prioridade dos mandatos e das gestões.

Para fazer isso, vai ter que chamar para si sim a responsabilidade, vai ter que se estabelecer metas e vai ter que compartilhar responsabilidades. Isso é talvez um dos grandes papeis que os novos eleitos, tanto os governadores e depois os prefeitos, também podem ter junto com o presidente da República.

Se a gente não fizer esse tipo de investimento onde a Segurança passe a ser um tema recorrente – não só na hora de entregar viaturas para aparecer bem na fotografia para a população, mas também na hora de coordenar os esforços para que o serviço seja de melhor qualidade e seja, sem dúvida nenhuma, mais eficiente, a gente não vai chegar num bom termo. A gente precisa sem dúvida construir um ambiente onde o líder político chame para si a responsabilidade, já que na história do país isso não é uma constante.

Aqueles que fizeram conseguiram avanços. Polícia precisa ser blindada da política, mas também não pode ficar autônoma, precisa ser transparente e precisa ter supervisão. E a supervisão não se dá por interesses particulares, mas por metas claras e objetivos sobre o que a gente quer, que Brasil a gente quer, que Segurança, que modelo de Segurança nós queremos.

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