Réu em 2 processos, Bolsonaro pode ser impedido de assumir a presidência se eleito?

Jurisprudência do STF gera dúvidas sobre situação da candidatura do deputado; advogados criticam insegurança jurídica

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello decidiu, nesta semana, atender a pedido feito pela defesa do deputado Jair Bolsonaro (PSL) e antecipar o julgamento do recebimento de uma denúncia contra o presidenciável para a próxima terça-feira (28). O parlamentar pode, durante a campanha eleitoral, tornar-se réu pela terceira vez, agora por acusação de racismo contra quilombolas — ele também responde por injúria e incitação ao crime de estupro por declarações feitas à deputada Maria do Rosário (PT).

Como as chances de haver condenação nos próximos meses são pequenas, os casos não trazem risco de o candidato ser enquadrado pela Lei da Ficha Limpa, que prevê inelegibilidade após condenação em segunda instância por determinados crimes. Contudo, declarações do próprio magistrado lançaram dúvidas sobre um possível impedimento de Bolsonaro por outros caminhos.

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Ontem, Marco Aurélio resgatou a discussão sobre a possibilidade de réus em ação penal figurarem na linha sucessória da presidência da República ao dizer que ainda é questão “em aberto” a possibilidade de réus serem eleitos e assumirem o comando do Palácio do Planalto. Em 2016, os ministros do STF decidiram que, na condição de réu, o então presidente do Senado Federal Renan Calheiros não poderia substituir o presidente da República em seus eventuais impedimentos. A dúvida agora é se tal entendimento poderia se aplicar ao caso de Bolsonaro, já que o parlamentar é réu de duas ações penais. Na avaliação do magistrado, a situação gera insegurança à candidatura do parlamentar.

Especialistas consultados pelo InfoMoney veem pouco espaço jurídico para tal encaminhamento prosperar, sob condições normais de temperatura e pressão. Para Karina Kufa, coordenadora do curso de especialização em direito eleitoral do IDP-SP, essa leitura poderia afrontar o princípio constitucional da presunção da inocência, além de se sobrepor à própria Lei da Ficha Limpa. Visão similar tem Cristiano Vilela, sócio de Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados.

“Se formos pegar a letra da lei, não há como esse caso ter qualquer influência do ponto de vista eleitoral. O fato de ser réu não é condição de inelegibilidade ao cargo de presidente da República”, afirma Vilela. “Essa interpretação seria totalmente desconforme com a legislação vigente. A legislação é muito clara para estabelecer critérios de inelegibilidade. Restrições a direitos políticos só podem adentrar o sistema jurídico por emenda constitucional ou lei complementar”.

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Para eles, a jurisprudência que impede a presença de réus na linha sucessória da presidência (ADPF 402), contudo, trouxe insegurança jurídica pela forma como foi construída e uma suposta falta de embasamento. Apesar de ser um encaminhamento improvável, neste  momento de incerteza ela lança uma sombra sobre candidaturas aparentemente aptas a disputar a eleição e abre brechas para ainda mais disputas jurídicas no futuro, mesmo passada a corrida às urnas.

Uma semana atrás, o advogado Rodrigo Phanardzis da Luz apresentou notícia de inelegibilidade contra registro de candidatura requerido por Bolsonaro. Ele alega que o parlamentar, réu por suposto crime de apologia ao estupro e injúria, não poderia disputar a eleição presidencial, em função do precedente aberto pelo STF que retirou o então presidente do Senado Federal Renan Calheiros da linha sucessória.

Por mais que tenda a superar a presente representação, Bolsonaro ainda pode ver esta tese ressurgir após o término da eleição, caso seja consagrado pelas urnas. Isso porque qualquer adversário, partido político, coligação ou o próprio Ministério Público poderão apresentar fator de inelegibilidade superveniente contra sua candidatura. Se o STF, durante o processo eleitoral, torná-lo réu pelo suposto crime de racismo, haveria um fato novo para eventualmente ensejar a discussão do tema.

Em tese, no entendimento de Vilela, não há nenhuma previsão legal para a iniciativa prosperar. Mas vê-se um jogo potencialmente embaralhado caso seja seguida a hipótese apontada. Assim como caso da chapa Dilma-Temer, encerrado apenas em junho de 2017, um possível processo superveniente envolvendo Bolsonaro (caso eleito) poderia se arrastar para dentro do mandato. A governabilidade, que tem sido ponto de fragilidade cada vez mais latente entre os mandatários, poderia ser dificultada.

“O fato de ele se tornar meramente réu, em tese, não seria causa de inelegibilidade superveniente. Em todo caso, diante desta polêmica orientação jurisprudencial, existe a chance de isso ser considerado”, observa Vilela. Ele sustenta que, para haver uma inelegibilidade superveniente, seria necessário pelo menos uma condenação em segundo grau, para que se incorresse na Lei da Ficha Limpa. Mas a jurisprudência do STF gera confusão para o caso. 

Seria mais um entrave jurídico evitável. “No afã de vermos alguém sofrendo consequências por determinada ação criminal, esquece-se que estamos diante de um dos bens mais valiosos da cidadania, que são os direitos políticos”, critica Vilela. Para ele, a jurisprudência gerada pelo Supremo para a linha sucessória é reflexo de uma preocupação em acenar para a opinião pública e um exemplo das consequências que tal comportamento traz. A politização do Judiciário ganha novas situações.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.