Por que cortar 5 zeros da moeda venezuelana não vai resolver a hiperinflação de 82.700%

Plano econômico para tirar o país da crise foi anunciado no dia 20, mas já gera desconfiança em economistas

Júlia Miozzo

Nicolás Maduro, ditador da Venezuela (Foto: Reprodução)

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SÃO PAULO – A inflação venezuelana ficou registrada em 82.700% no mês de julho e, segundo projeções do FMI (fundo Monetário Internacional), deve bater 1.000.000% até o final do ano. Tais números configuram um cenário de hiperinflação – como o próprio nome sugere, um fenômeno muito mais intenso que a inflação comum.

Se o conceito de inflação pode ser entendido como o aumento de preços de uma cesta de produtos quando há excesso de dinheiro em circulação, a hiperinflação já consiste de um movimento inflacionário “irracional”, decorrente de descontrole nas contas públicas, e em que os preços chegam a ter alta superior a 50% em um mês.

Segundo o economista e professor da Fipecafi, Valdir Domeneghetti, a hiperinflação acontece porque o governo começa a intervir na economia e a colocar regras que causam esse descontrole. “As pessoas começam a desconfiar do governo, empresários começam a subir os preços, a cadeia produtiva segue essa medida e todos os preços sobem desordenadamente”, disse em entrevista para o InfoMoney.

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Nesse contexto, a moeda desvaloriza e os consumidores perdem poder de compra, além de ter de carregar maços e maços de notas para comprar algum item. É também um movimento que se “autoperpetua” conforme os produtos vão entrando em escassez. “O comportamento da hiperinflação já não tem fundamentos econômicos, é puramente psicológico”, disse Domeneghetti.

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O plano econômico para conter a situação

O governo venezuelano não ignorou a situação e, no último dia 20, anunciou um plano econômico para tirar o país da crise: entre as medidas propostas estão a criação de uma nova moeda para o país, o bolívar soberano, que tem 5 zeros a menos que a anterior, bolívar. A maior nota do bolívar soberano é de 500, e equivale a 50 milhões de bolívares e 7 dólares no mercado negro do pais.

Nicolás Maduro, presidente, anunciou também que o bolívar soberano será vinculado à Petro, criptomoeda recém-lançada pelo Estado. Cada Petro tem valor fixo de 3,6 bolívares soberanos e equivalem, hoje, a US$ 60, com base no preço do barril de petróleo do país.

Outras medidas também foram anunciadas: o salário mínimo e pensões fixados em 0,5 Petro; o fim do subsídio à gasolina, com manutenção do preço atual por dois anos aos portadores do “carnê da pátria” (uma espécie de novo “RG” dos cidadãos, mas somente para os que são apoiadores do governo de Maduro); e o pagamento de um bônus de reconversão de 600 bolívares soberanos para os portadores do “carnê da pátria”.

Não será suficiente
Essa é a segunda conversão monetária do país nos últimos 20 anos, sendo a primeira em janeiro de 2008, quando o país ainda estava sob a liderança de Hugo Chávez. Como da primeira vez, o corte de zeros da moeda venezuelana não deve ser o suficiente para tirar o país da crise atual, aponta José Carlos Carvalho, economista-chefe da Paineiras Investimentos.

“No geral, cortar os zeros da moeda funciona quando você tem um plano que já diagnosticou a causa da crise, e faz esse corte pra ter uma mudança real no país”. Como comparação, ele relembra o bem-sucedido Plano Real brasileiro, na década de 1990. “No caso do Brasil hiperinflacionado foi isso: cortaram os zeros, se introduziu o real, subiu a taxa de juros, reduziu o déficit público”, disse. “Isso porque a origem da hiperinflação brasileira era o déficit público muito alto”.

No caso da Venezuela, esse plano econômico não deve ser capaz, sozinho, de mudar a situação do país pois a real causa da crise, o descontrole dos gastos do governo, não foi consertada. “Se eles só cortam a inflação do país, a redução vai durar pouco tempo. Se o governo continuar num déficit grande, não vai adiantar. Basicamente, ele está deixando de imprimir a moeda antiga pra imprimir a nova”, explicou o economista. “É uma medida cosmética, maquiada”.

Além da conversão monetária, são necessárias diversas reformas para melhorar a situação do país. “Desvalorizar o câmbio pra superar o déficit na balança comercial, fazer uma reforma tributária e trabalhista… Uma série de medidas que os países hoje em dia fazem. Mas nada disso foi feito”, disse. Ele ainda reforça que, se tais medidas fossem de fato ser promovidas, elas teriam sido anunciadas junto com o corte de zeros para “ter um impacto positivo”. “Não acho que nada disso acabará sendo feito”, disse.

Valdir compartilha da mesma opinião. “É uma medida pra tentar convencer os agentes econômicos a vender os produtos pra movimentar a economia de novo. Mas infelizmente o governo já não tem mais credibilidade”, comentou. “A única solução é implantar reformas no país, mas isso é impopular pro governo de Maduro”.

Outro problema
Todas as informações divulgadas de dentro do país são de uma agência de notícias estatal, o que dificulta acreditar que, de fato, são reais. Somada à desconfiança no governo venezuelano, isso torna a recuperação do país ainda mais complicada.

“Está todo mundo em voo cego sobre a Venezuela. Não se sai mais um dado, nenhum indicador, e nossa fonte para a inflação é o professor Alberto Cavallo, que mês a mês divulga os números estimados”, disse José, lembrando o estudioso da universidade de Harvard e criador do site Inflación Verdadera. 

Valdir reforça: “Não temos nenhuma informação do que pode ser especulação sobre esse plano econômico. A criptomoeda, por exemplo, não se sabe qual tecnologia blockchain foi usada pra criar”. “Falta total credibilidade. O plano entrou em vigor dia 20 de agosto e não temos informações desde então. Falta transparência de como ele vai conseguir colocar essas medidas em prática, como elas vão ser organizadas”, completou.

Dado que as informações são duvidáveis, a eficiência do plano recém-anunciado já começa a ser questionada. E a sensação, para os especialistas consultados, é de que o país “se afunda em um buraco cada vez mais fundo”.

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