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Subestimamos o tamanho da crise, diz CEO de empresa de seguro de crédito

Marcele Lemos comentou sobre as mudanças no segmento em meio à crise 

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Com a crise econômica instalada no país, o mercado de seguro de crédito não conseguiu escapar dos efeitos negativos e enfrenta algumas mudanças. O segmento teve um aumento dos custos com a materialização dos riscos, porque a crise foi subestimada. Quem afirma é Marcele Lemos, CEO da Coface, empresa de seguro de crédito. “A sinistralidade foi de 140% em 2015. Tivemos um cenário econômico extremamente conturbado. Não tínhamos ideia da dimensão, da proporção que poderia tomar. Subestimamos a crise, uma das maiores já vistas aqui no nosso país”, afirmou em entrevista ao Podcast Rio Bravo.

Lemos explica que para reverter esse cenário, sua empresa passou a adotar medidas mais conservadoras na concessão de crédito. “Ficamos mais criteriosos com esses setores mais afetados com a crise, reforçando as áreas de monitoramento e de análise de riscos”, disse.

Em relação ao cenário nacional, a executiva ressalta que o Brasil ainda tem um potencial muito grande a ser explorado. “Com a quantidade de empresas que existem hoje no país, é muito baixa a inserção do seguro de crédito por aqui”. Confira a entrevista:

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Qual é o estado da arte do mercado de seguro de créditos hoje?

Hoje o que a gente pode falar do mercado de crédito no Brasil… Na verdade, falando em total de prêmio que esse mercado de seguro de créditos gera hoje no país, estamos falando de aproximadamente de R$ 300 milhões. Quando a gente olha esse valor em prêmio de seguro de crédito no Brasil para um país do tamanho do nosso com o potencial que temos e com a quantidade de empresas que existem hoje no Brasil, ainda é muito baixa a penetração de seguro de crédito no país. O Brasil tem potencial para crescer muito mais do que esses R$ 300 milhõe, porque nós temos muitas multinacionais brasileiras e estrangeiras e temos muitos grupos internacionais que investem no país. E quando falamos em crescimento, você também fala em crédito. Quando você fala em crédito, também fala de seguro de crédito. Então achamos que podemos contribuir muito para o crescimento do nosso país e existe um mercado muito vasto para esse tipo de produto se desenvolver por aqui.

Quais foram as principais mudanças experimentadas pelo setor nos últimos anos?

Vamos falar um pouco de 2015. Foi um ano extremamente difícil para o mercado segurador brasileiro. Porque com a crise, a sinistralidade foi muito alta. O que a gente teve aqui no Brasil? Teve um cenário econômico extremamente conturbado, tanto em 2015 quanto em 2016. Na verdade, a gente já via uma crise vindo no final de 2014, só que não tínhamos ideia da dimensão, da proporção que essa crise poderia tomar. Subestimamos um pouco a crise, porque ela veio intensa, uma das maiores crises já vistas aqui no nosso país. E aí vimos um aumento muito grande do índice de recuperação judicial em 2015. Em 2016, esse índice continuou aumentando. Mais de mil recuperações judiciais registradas no Brasil. É um número realmente muito elevado, patamares que a gente não tinha experimentado no passado, além do número de inadimplência. Quer dizer, houve uma escassez de crédito no mercado, a economia muito fragilizada, muitas empresas alavancadas não conseguiam buscar mais crédito no mercado para conseguir gerir os seus negócios, então, assim, ficando com o fluxo de caixa um pouco estrangulado e isso prejudicando muitas empresas, muitas delas entraram em recuperação judicial. Outras deixaram de honrar seus compromissos na data prevista. O mercado de seguro de crédito foi muito afetado. A nossa sinistralidade aumentou muito do mercado como um todo. Para se ter uma ideia, em 2015 a sinistralidade do mercado foi de aproximadamente 140.

Obviamente que a Coface (que tem uma participação de 30% de market share no seguro de crédito) também acompanhou essa tendência. A gente também teve uma sinistralidade muito elevada, em 2015 foi de aproximadamente 135%. E aí 2016, sabíamos que seria o pior ano da crise e a gente começou a fazer um trabalho intenso na Coface. Então qual foi a nossa estratégia em 2016 para poder a reverter esse cenário de muita sinistralidade dentro da companhia? Bom, primeiramente a gente identificou aqueles setores mais afetados pela crise e começou a ser mais conservador na concessão de crédito. Então a gente ficou mais criterioso com esses setores mais afetados com a crise.

Quais são os setores mais afetados com a crise?

Podemos falar dos setores que estão diretamente ligados à construção civil, que está paralisada no Brasil praticamente, a gente tem aí o setor de automóveis, que foi um setor afetado com a crise. Enfim, os setores de forma geral muito ligados ao consumo, porque também enfrentaram um aumento grande da taxa de desemprego no Brasil. Enfim, esses setores foram setores que sofreram mais, os quais a gente ficou mais conservador. Aliado a isso, a outra parte da nossa estratégia foi a de fortalecer os pilares do nosso produto, do nosso negócio. Quais são os pilares do seguro de crédito? Primeiro é a busca de informação. É ter mais informações das empresas brasileiras às quais a gente concedia crédito. Precisávamos de informações mais rápidas. Identificar fragilidades que uma empresa estivesse passando de uma forma mais rápida e agir mais rapidamente junto aos nossos segurados para que a gente evitasse uma perda para o nosso segurado. Então incrementamos o nosso monitoramento, a gente tem um sistema novo de monitoramento, de todos esses compradores que concedemos limite de crédito e toma o risco.

Então hoje a gente tem um monitoramento que aproximadamente 20 mil CNPJs estão sendo checados diariamente e quando existe algum tipo de fragilidade identificada, por exemplo, essa empresa tem uma informação negativa, ou se ela entrou numa RJ, ou se ela tem um protesto no Serasa, enfim, alguma informação negativa, os nossos analistas de crédito já são capazes de analisar essa informação e já ter uma decisão mais rápida sobre esse limite de crédito aprovado com base nessas informações que estão chegando. E, com isso, conseguimos passar uma informação rápida para o nosso segurado e evitar uma perda futura. Isso foi o que a gente fez: reforçar esses pilares, que é a parte de informação, de monitoramento, e também a nossa área de analista de crédito. Nós ampliamos essa área para os analistas de crédito terem ali capacidade, pessoas para poder tratar essas informações negativas que chegam diariamente sobre essas empresas que possuem limite de crédito aprovado.

Com essa mudança da estratégia, que a gente fez em 2016, esse foco de melhorar a estrutura, o pilar do seguro de crédito, qual foi o efeito disso no final? Na verdade, no final do ano conseguimos baixar uma sinistralidade de 135% em 2015 para 63%, então isso acabou sendo muito positivo. E por que isso foi importante para a Coface? Porque em 2016, a nossa expectativa já era que 2017 estaríamos num momento melhor da economia, que o pior passaria em 2016 e em 2017 a gente entraria em outro momento. Obviamente não estamos num momento que a gente gostaria, mas já saímos daquele cenário de recessão. A gente hoje já pode ver um crescimento, ainda que pequeno, no PIB brasileiro. Essa sinistralidade mais baixa nos ajuda a ter mais capacidade de crédito para 2017. Então o ano de 2017, já começamos ele com mais capacidade de crédito já que a gente conseguiu ter um equilíbrio na nossa sinistralidade.

O seguro de crédito é um produto conhecido pelas empresas brasileiras?

Eu posso dizer que ainda há muitas empresas no Brasil que não conhecem o seguro de crédito. Para se ter uma ideia, 65% do meu portfólio de clientes são multinacionais. Europeias, americanas, enfim, empresas que estão em mercados onde o seguro de crédito é mais maduro, e aí são grupos que lá fora já utilizam o seguro de crédito como parte de sua estratégia financeira e eles acabam aplicando isso para o grupo no mundo inteiro, e aí é onde essas multinacionais estrangeiras que estão aqui no Brasil também adquirem o seguro de crédito.

E como a Coface faz para prospectar novos clientes?

Estamos muito presentes nas Câmaras de Comércio, também nas associações de classe, nos diversos setores, químicos, alimentos, nos diversos setores da economia. Então a gente trabalha muito. Trabalhamos também muito com os bancos. Porque o seguro de crédito também pode ser utilizado como uma garantia para uma empresa antecipar os seus recebíveis junto a uma instituição financeira e aí ele pode dar essa apólice de seguro de crédito como uma garantia. Esse é um benefício que a apólice acaba trazendo para o nosso segurado.

Qual tem sido a modalidade de seguro de crédito mais procurada pelas empresas brasileiras?

Aqui no Brasil, tem o seguro de crédito interno, que é o seguro de crédito doméstico, e o seguro de crédito à exportação. Então, quando a gente fala no seguro de crédito interno, estamos cobrindo uma operação mercantil entre duas empresas brasileiras. Então é uma empresa brasileira vendendo uma mercadoria ou um serviço para outra empresa brasileira. E o seguro de crédito à exportação é quando uma empresa brasileira faz essa venda para uma empresa fora do Brasil. Obviamente que, com a crise, a gente percebeu que houve também uma demanda grande para o seguro de crédito à exportação, porque as empresas viram que com a crise o mercado interno estava muito fraco e muitas empresas tentaram mudar a estratégia, aquelas que tinham já a exportação, e começaram a colocar o enfoque mais para exportação, para poder tentar continuar movendo o seu negócio de uma forma sustentável, já que havia uma debilidade no mercado interno.

Porém, com a crise vemos também que muitas empresas focadas no mercado interno que não tinham o seguro de crédito antes porque achavam que era um custo adicional e talvez não seria muito interessante, a gente vê que o perfil, os executivos estão mudando um pouco a forma de pensar e estão buscando uma ferramenta para se proteger, porque eles passaram por momentos difíceis em 2015 e 2016, tendo algumas perdas, e agora começaram a pensar “eu tenho que continuar o meu negócio de forma sustentável. Então eu tenho que estar preparado para o inesperado”. Então é onde vemos muitas empresas buscando o seguro de crédito aqui no mercado interno. Só que quando você olha com os próprios números da Susep, que é o órgão regulador das seguradoras, a gente consegue ver que obviamente no Brasil o mercado externo é bem menor que o seguro de crédito doméstico. Podemos falar que 70% do prêmio está no mercado interno e 30% na exportação.

Em relação à atuação da Coface fora do Brasil, existem pontos em comum entre o cenário externo e o mercado local?

Por exemplo, quando a gente fala de mercado externo, Europa, por exemplo, existem grandes diferenças entre os dois mercados. A Coface, por exemplo, foi fundada em 1946. Então ela está há décadas no mercado. O mercado europeu é um mercado muito mais maduro no que tange a seguro de crédito, e aqui no Brasil, a seguradora de crédito mais antiga tem 20 anos. Então ele é um produto ainda novo no Brasil. Eu acho que a grande diferença entre esses mercados é mesmo a maturidade deles no mercado. Por exemplo, quando você pega uma Espanha, a Espanha é um país o qual o seguro está já praticamente no sangue de todas as pessoas, de todos os espanhóis. Eles têm a cultura de fazer seguro de tudo. Todo seguro que é lançado lá dá muito certo. E aqui no Brasil, qual é a grande diferença? É que o brasileiro não tem a cultura de seguro. E aí eu não estou falando de seguro de crédito, mas de forma geral. Achamos que ninguém tira o carro da concessionária hoje sem o seguro, mas não. A maior parte da frota de transporte brasileiro não é assegurada, e a gente não imagina isso.

Muitas pessoas pensam por que vão fazer um seguro odontológico, se quase não precisam ir ao dentista, só que na verdade isso é para, quando você tiver o problema, você estar protegido e não ter uma grande perda inesperada. Mas o brasileiro não tem essa visão, então aqui no Brasil o seguro de forma geral ainda é visto como uma despesa adicional. Então eu acho que a primeira barreira que tem é a cultura do país, que não tem uma cultura de fazer seguro. E depois a outra dificuldade que a gente enfrenta é esse desconhecimento da indústria, do mercado brasileiro, da existência de um produto que pode protegê-los de perdas inesperadas e pode ajuda-los a se desenvolver em novos mercados que eles não conhecem e dominam.

Houve modalidades de seguro de crédito cujas características puderam ser adaptadas para o contexto nacional, pensando nessa experiência de fora da Coface?

Na verdade, lá fora também temos essas duas modalidades, de seguro de crédito à exportação e interno, e obviamente que a gente tem alguns subprodutos. Por exemplo, nesse contexto, a temos tipos de apólices diferenciadas. A gente tem apólice que o segurado pode colocar todo portfólio de compradores dele dentro dessa apólice para cobertura, e também temos produto que a gente chama de single risk, que ele pode colocar um único comprador dele dentro da apólice e fazer a apólice para um único comprador. E essa apólice de single risk, single buyer, o single buyer no caso seria para um projeto que uma empresa está fazendo, que pode levar três anos ou quatro anos, essas apólices iniciaram lá fora e acabaram vindo para o Brasil depois de algum tempo. Essa expertise permite que tragamos alguns subprodutos do nosso negócio aqui também para o Brasil.

Ainda falando da presença no exterior da Coface, como os clientes aqui no Brasil se beneficiam dessa marca forte internacional da empresa?

A Coface, como já está há 70 anos no mercado, é uma marca muito forte. É até curioso porque falam que é como se fosse um verbo: “cofaciar”. Então quando você fala “cofaciar”, é você fazer um seguro de alguma coisa. Então, a nossa empresa é muito conhecida como seguradora na França pelo tempo que ela está instalada no mercado. E eu acho que esse branding da companhia é muito forte, e hoje a gente tem presença em aproximadamente 100 países, nas principais capitais mundiais. Acho que toda essa expertise da Coface lá fora é muito bem reconhecida, inclusive reconhecida internamente também no Brasil.

Quais são os principais riscos existentes no segmento de seguro de crédito hoje no Brasil?

Os riscos que a gente tem hoje no seguro de crédito são os riscos realmente de recuperação judicial, que a vimos que nesses primeiros meses do ano a gente já viu que houve uma redução de aproximadamente 26% em relação ao ano anterior, que é um ponto positivo, mas ainda existe. Hoje mesmo eu acabei de receber três recuperações judiciais, então elas ainda estão acontecendo, em proporções menores, mas ainda estão acontecendo, em virtude dessa instabilidade do Brasil. Eu até costumo falar que antes tínhamos muito a crise econômica colada na crise política, e a gente percebeu que houve um descolamento e que ainda vemos uma crise política grande, tanto que a gente está a um ano das eleições e não sabemos quem vão ser os candidatos. Então isso acaba trazendo incerteza para o mercado e traz uma certa insegurança também do futuro do Brasil.

Falando em futuro, para 2018, quais são as iniciativas que a Coface pretende lançar mão nesse segmento?

A Coface como grupo, nós temos uma estratégia global que a gente chama de Fit To Win. Então é organizar, acertar para ganhar. Dentro desse contexto, hoje trabalhamos no sentido de transformar a nossa empresa na seguradora de crédito mais ágil do mundo. Essa é a nossa intenção. E para a conseguirmos fazer isso, em primeiro lugar está o nosso cliente. Então é a gente conseguir atender o nosso cliente com precisão, agilidade, melhores informações, com qualidade de serviço, tudo isso faz parte desse grande projeto que a Coface tem para ser implementado, que é o Fit To Win até 2020. Então hoje estamos trabalhando em ferramentas corporativas, melhorando todo o nosso sistema interno, para que permita que a gente tenha mais agilidade, que consigamos atender os nossos clientes de forma mais eficaz, mais rápida, para que o nosso produto tenha um valor agregado muito maior para os nossos clientes.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.