“Precisamos voltar à agenda reformista”: Vescovi negocia mudanças para cumprimento da regra de ouro

Conhecida pela defesa do ajuste fiscal, a nova secretária-executiva do Ministério da Fazenda defende a manutenção de conquistas

Equipe InfoMoney

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Em 2017, a economista capixaba Ana Paula Vescovi tornou-se a primeira mulher a comandar a Secretaria do Tesouro Nacional, após uma bem-sucedida trajetória como secretária da Fazenda do Espírito Santo, quando ficou conhecida por ser uma das responsáveis pelo saneamento das contas públicas daquele estado na gestão Paulo Hartung (MDB). Escolhida como secretária- executiva do Ministério da Fazenda, o segundo maior cargo da pasta, após a saída do ex-ministro Henrique Meirelles, Vescovi defende que o país retome uma agenda reformista. Segundo ela, essa é a condição para a sustentação de conquistas como o ajuste fiscal, a volta do crescimento sustentado e o aumento da produtividade e da eficiência da economia.

Vescovi é uma das responsáveis por zelar pelo cumprimento das três regras básicas que garantem a estabilidade econômica. A primeira é a meta fiscal. Outra é o teto de gastos públicos, aprovado pelo governo Michel Temer. A terceira é a chamada regra de ouro, estabelecida no Artigo no 167 da Constituição, que proíbe o governo de endividar-se para cobrir despesas correntes. Sua adaptação – para criar mecanismos de cumprimento em momentos de alto déficit – está recebendo a atenção da secretária atualmente. Com o grande déficit público dos últimos anos, aliado à rigidez orçamentária que impede o corte de gastos em itens obrigatórios – como a saúde –, o governo só consegue evitar o descumprimento dessa norma ao receber de volta recursos que o Tesouro havia disponibilizado para o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – R$ 50 bilhões no ano passado e R$ 130 bilhões previstos para este ano. O governo que tomar posse em 2019 terá de enfrentar esse desafio. O descumprimento poderá violar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Fórum & Negócios – O país conseguirá atingir a meta de déficit prevista para 2018? A regra de ouro será cumprida?

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Ana Paula Vescovi – Sim, estamos num bom caminho para cumprir as metas, nos organizando frente às restrições legais. Precisamos cumprir a meta de resultado primário. Temos agora a regra do teto, que é uma emenda constitucional, além da regra de ouro, também um dispositivo constitucional. As três regras serão cumpridas em 2018.

A arrecadação nos últimos meses reagiu positivamente. Essa trajetória de recuperação vai continuar?

A receita tem trazido boas notícias, fruto, entre outras razões, da recuperação da economia. Mas também das medidas que foram adotadas. Isso nos traz um cenário positivo para o ano de 2018. Temos instrumentos adequados para fazer o gerenciamento da política fiscal de curto prazo. Estamos conseguindo endereçar os desafios do cumprimento das metas, de arrecadação e de contenção de gastos. Para isso, estamos fazendo várias coisas, como a revisão das despesas obrigatórias, um esforço para aumentar a eficiência nas despesas discricionárias, e temos bons instrumentos para conseguir cumprir a política fiscal de curto prazo.

Quando saiu o resultado do déficit de 2017 abaixo do esperado, a sra. declarou que não havia o que comemorar com um resultado de R$ 124 bilhões de déficit. Estamos no caminho correto?

O ajuste que precisamos fazer nas contas públicas é muito grande. Quando acertamos o ajuste necessário para voltarmos a ter uma dívida pública estabilizada e combinamos com o nível de rigidez orçamentária que temos no Brasil, isso nos leva ao desenho de um ajuste muito gradual. Foi assim que pensamos a regra do teto de gastos, para poder permitir uma disciplina de longo prazo, capaz de conter o crescimento das despesas públicas. Esse fundamento nos levou à capacidade de recuperar a confiança na condução das contas públicas. Mas a regra do teto é uma norma disciplinadora. A partir de agora precisamos rediscutir como fazer para cumpri-la, e aí vêm as reformas fiscais de fato estruturantes, como a da Previdência, que é fundamental. E uma ampla revisão das despesas obrigatórias, dos incentivos fiscais, da renúncia tributária e da própria organização do Estado brasileiro. A reforma do Estado acho que dá um bom arcabouço a um conjunto amplo de reformas que precisamos empreender para dar conta desse ajuste fiscal de longo prazo.

O governo vai incluir no orçamento de 2019 mecanismos para o cumprimento da regra de ouro? Como será a situação das contas para o próximo governo?

Isso está sendo analisado. Estamos fazendo estudos jurídicos. Temos contado com a parceria dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas, porque a questão da regra de ouro, em especial, é uma restrição bem recente. É algo com que estamos deparando pela primeira vez. Temos o compromisso de fazer isso de forma transparente, com medidas que sejam adequadas ao ordenamento jurídico, mas isso depende de estudos, para que possamos discutir com o Congresso. A regra do teto assegura um ajuste gradual pelo menos ao longo dos próximos dez anos. A regra de ouro não prevê essa convergência. O grande debate que se coloca para os próximos anos é permitir que a regra de ouro e a regra do teto possam convergir, favorecendo um ajuste gradual. A regra do teto tem mecanismos que não penalizam o gestor. Há o acionamento de normas automáticas que ajudam no ajuste fiscal: não é possível mais conceder programas com subsídios, aumentos para servidores públicos, fazer novos concursos e ter aumento real em despesas obrigatórias. A regra de ouro não tem essa mesma característica. Essa é uma discussão importante. Pelo tamanho do ajuste que precisamos empreender para reequilibrar as contas públicas, e dada a excessiva rigidez orçamentária, precisaremos gradualmente fazer esse ajuste em certo período de tempo, para que isso não traga impactos muito deletérios para a sociedade.

A sra. assumiu o Tesouro em 2017, depois de um período bem-sucedido de ajuste das contas públicas no Espírito Santo. Como foi o processo naquele estado?

O primeiro elemento do sucesso do ajuste fiscal no Espírito Santo – que inclusive persiste depois da minha saída – foi uma discussão ainda no processo eleitoral. Isso foi bastante debatido, descortinado, e a população escolheu pelo voto quem tivesse uma proposta de fazer o reequilíbrio das contas públicas. O fato de a sociedade conhecer o problema e dar valor a esse equilíbrio das contas públicas foi fundamental. A partir daí a coerência e a narrativa foram também elementos muito importantes. Foi feita uma conversação ampla com todos os poderes. Abrimos todos os números com muita transparência. Essa discussão foi feita com o Tribunal de Contas e todos os outros poderes. Cumprimos uma agenda previamente conhecida. Tínhamos sempre a preocupação de mostrar para a sociedade que o ajuste fiscal veio para permitir que o Estado pudesse entregar o que a sociedade precisa: saúde, educação, segurança, assistência social etc. Porque o Estado desorganizado não tem capacidade de fazer essas entregas. Para a sociedade sempre houve muita ênfase nessa narrativa. O ajuste das contas públicas não é um fim em si mesmo. Ele visa atender melhor dentro das restrições fortes que o Estado tem e do que a sociedade precisa. E nós conseguimos manter estável a carga tributária.

A senhora coloca muita ênfase no controle das contas públicas. Ela é entendida como uma agenda prioritária para o país?

A grande mensagem é essa. [O controle das contas] tem acontecido nos últimos 18 meses de governo, mas precisamos voltar a promover um Brasil reformista. É necessário fazer com que o Estado caiba dentro do montante dos tributos que a sociedade está disposta a pagar, e seja mais justo e efetivo com seus cidadãos. Deve ter legitimidade por causa dos serviços que presta, das atividades que desempenha, e ter condição de construir instituições inclusivas, dando uma sinalização correta aos jovens principalmente ao empreendedorismo, à educação, à meritocracia e à inovação. Acho que essa mudança é muito ampla, de continuar as reformas estruturais nos próximos anos. Temos de trabalhar para demonstrar os benefícios disso à sociedade.

*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição de 2018 da revista Fórum & Negócios.